O Andarilho
31.01.2012
“SHALOM SHABBAD”
“Shalom Shabbad”, me saúda a mãe de meu amigo israelense na porta da sua casa na cidade de Jerusalém. A mesa já está posta, nos aguardando para a ceia do dia mais importante da semana para o judaísmo. É sexta-feira, início de um período de 24hrs voltado à orações e ao descanso levado muito a sério pela maioria dos judeus.
É dia também para reunir a família e, como acontece na maioria das culturas, nada melhor do que uma farta refeição como desculpa para tal. Antes do banquete começar me passam um kippa, aquele pequeno “chapéu” circular, para colocar em minha cabeça. Leitura de um trecho da Torah, benção do pão e do vinho, seguem a complexa tradição do Shabbad na qual cada um dos presentes recebe um pedaço do pão e um gole do vinho no cálice que passa de mão em mão, primeiro entre os homens, após entre as mulheres.
Enquanto cantam uma música, a mesa é servida e o banquete inicia. É tanta comida que fica claro desde o início que precisaríamos do dobro de convidados para terminar com os diversos pratos preparados pela mãe de meu amigo. No entanto, é intencional esse exagero pois o que sobra é consumido durante o sábado já que, segundo a tradição judaica, Shabbad é dia de total descanso não sendo permitido acender fogo nem ligar ou desligar qualquer equipamento eletrônico. Isso inclui até mesmo não utilizar elevadores mas, para tudo sempre tem um jeitinho e engenheiros inventaram aqui elevadores que funcionam automaticamente durante o período parando em todos os andares do edifício.
Após o jantar, uma menina nos mostra o seu mais novo brinquedo, uma luminária com peixinhos coloridos que giram ao redor. Oportunidade perfeita para a gaffe da noite: peço a ela para ligá-la e podermos assim ver como funciona. “Mas estamos no Shabbad” alguém diz e eu automaticamente percebo que perdi uma ótima oportunidade para ficar calado. A família, porém, não é ortodoxa e a mãe permite que a luminária seja ligada e todos nos admiramos com a criança pela beleza das cores e delicadeza dos peixinhos que parecem flutuar ao redor da luz.
O irmão do meu amigo que está no primeiro ano dos 3 obrigatórios de serviço militar também se oferece orgulhoso para mostrar seu novo brinquedinho. Volta do seu quarto com uma metralhadora e começa a montá-la e desmontá-la na minha frente. Pede se quero segurá-la e eu, “piá de prédio” como dizem lá em Curitiba, que até hoje só havia visto essas armas em jogos de computador, sinto aquele prazer inexplicável que talvez apenas meninos conseguem entender.
Chove muito e faz muito frio em Jerusalém. Chove tanto que judeus ortodoxos inventaram até engraçadas capas de chuva para seus inseparáveis chapéus, porém, alguns ainda utilizam as convencionais sacolas plásticas para protegê-los. Muitos deles não trabalham e ganham dinheiro do estado para estudar o judaísmo, o que é visto com maus olhos pelo resto da sociedade mais liberal. Recentemente grupos de ortodoxos vem causando problemas ao governo ao desrespeitar mulheres e até mesmo meninas vestindo roupas consideradas por eles inapropriadas. É estranho imaginar que atualmente ainda existem pessoas que se ocupam em sair para as ruas rasgando cartazes com imagens de mulheres, queimando lojas com vitrines de roupas íntimas femininas ou obrigando suas mulheres a rasparem seus cabelos.
Os judeus em geral seguem também uma complexa lista de regras chamada Kosher que regula a sua alimentação. Não comem, por exemplo, carne com qualquer derivado de leite. O motivo para isso, me explicaram outro dia para o meu espanto, é baseado em um texto da Torah que diz: “Não comerás a carne de um filhote que ainda bebe o leite de sua mãe”. Nem todos judeus concordam com essa interpretação, diz meu amigo israelense. “Provavelmente ele quer apenas dizer que devemos respeitar os animais”, complementa. Mesmo muitas dessas regras permitirem hoje em dia diferentes interpretações, o fato é que elas fazem parte da cultura judaica e como tal, as pessoas apenas as seguem sem muitos questionamentos.
Quando não chove é possível sair pelas ruas de Jerusalém e encantar-se com a beleza da cidade. Os muros e construções de pedras brancas refletem a luz clara nos rostos de judeus, cristãos e muçulmanos. É um dos maiores centros do mundo de convergência de culturas e tradições. Sempre foi assim. A história nunca deixou de passar por aqui. Nas ruas circulam russos, etíopes, americanos, árabes. Gente do mundo inteiro. Alguns tentando viver em paz. Outros apenas reforçando suas diferenças. Alguém, por favor, explique o mundo para mim!
Shalom e até semana que vem, Insh'Allah.
Judeus durante o Shabbad no Muro das Lamentações.
Missa em uma capela no alto do Monte das Oliveiras.
Mesquita com bairro árabe ao fundo a 5 min do Centro Antigo de Jerusalém.