O Andarilho
10.08.2011
SEVILLA
Estou em uma típica bodega espanhola. É tarde de domingo e faz muito calor em Sevilla. O ar é seco embora que, na sombra, bebendo “cerveza”, tudo parece mais agradável. Lá dentro, entre paletas de porco defumadas, o delicioso “jamón ibérico”, senhores conversam animadamente sobre futebol ou talvez, crise econômica, mas bem, isso é como dieta: assunto para segunda-feira.
Há turistas também falando diversas línguas, mas, nos bares, as pessoas se entendem sempre melhor. O garçom, com um pedaço de giz, anota no balcão a nossa conta. “Estivemos ontem aqui e ela ocupou três colunas. Terminamos pagando 40 euros” diz o meu mais novo amigo, Mindhi, nascido no Quênia, filho de indianos, casado há 27 anos com a holandesa Atie. Vivem hoje na Inglaterra e estão de férias em Sevilla, assim como milhares de pessoas do mundo inteiro.
Conhecemo-nos há pouco voltando de um museu. Numa conversa casual na saída, sem termos ainda chegado ao bar, acabamos tornando-nos grandes amigos. O dia de sábado havia sido bastante solitário para mim. Andei por incontáveis ruas, tomei muitas xícaras de café, fotografei muito e terminei o dia fazendo um “picnic” na beira do rio vendo o pôr-do-sol. Sevilla é uma das cidades mais bonitas que conheço, cheia de coisas para fazer e gente nas ruas, mas, mesmo assim, às vezes a solidão aperta.
Atie trabalha num centro de apoio a pessoas com problemas psiquiátricos e, ao saber do meu trabalho como colunista, me propôs uma troca de empregos. Demos uma boa risada, pois acho que, tanto um como o outro, sabemos que não duraríamos mais do que duas semanas. É que se trata de vocação, eu acho. Eu nunca reclamo do que estou fazendo hoje como trabalho, mas isso é porque eu o escolhi e, quando não estiver mais me satisfazendo, não hesitarei em parar no mesmo momento. Estas longas viagens são um grande desafio para a mente, um grande teste de resistência. O meu principal objetivo para esse ano é voltar para casa, sadio psicologicamente. Há algumas fronteiras que cruzamos que nos deixam vagando por trilhas incertas e a loucura, como uma fera selvagem, nos espreita, aguardando apenas uma distração para atacar finalmente.
Voltando à bodega, há mais um personagem que vocês precisam conhecer. O “señor” Fahita Muñoz, hippie, motoqueiro e excêntrico. Para encurtar a descrição física, vejam a foto. É, sem dúvidas, o primeiro hippie que vejo com aparelhos nos dentes. São realmente outros tempos esses que vivemos hoje em dia. O cara, a princípio, assusta os turistas que passam pela rua aos quais ele cumprimenta e deseja uma boa estadia em sua querida cidade Sevilla. É um ótimo anfitrião. Nos paga duas rodadas de cerveja e divide ainda porções de comidas típicas espanholas, as famosas tapas. Ele começa a ficar emotivo. Olha para a imensa Catedral de Sevilla, ali no final da rua, e nos pergunta “Quanto vale essa foto? Digam-me, quanto vale?!” Para mim é certo, as coisas mais valiosas que tenho de minhas viagens são as lembranças das pessoas que conheci. “Vale tanto quanto a foto que acabei de tirar de ti”, digo, meio sem jeito. Ele olha para mim e diz: “Coño, gracias!” E me dá um abraço e puxa um daqueles flamencos sofridos e todos o acompanhamos com palmas.
Visitar Sevilla sem assistir a um show de flamenco ou a uma tourada é como não ter passado por aqui. Como sou contra a violência com animais, afinal, não vejo bravura nenhuma em uma luta de seis homens contra apenas um touro, resolvi ir ao show de música e dança. Descobri um bar chamado La Carboneria que, de tão famoso que é, nem sequer tem seu nome escrito na porta da entrada. Lá dentro, entre inúmeras obras de arte, um pequeno tablado de madeira aguarda vazio para a apresentação. O povo espera ansiosamente e as mulheres, com o “abanico”, tentam afastar o calor. Dois homens vestidos de preto sobem no palco. Um tem uma viola e o outro apenas as palmas das mãos. Sentam e começam com uma melodia triste, daquelas que dá vontade de chorar. Parece que estão falando de algum cavalo que o personagem da letra não quer vendê-lo. Depois da segunda música, sobe finalmente no palco a sevilhana, mulher de olhar forte, vestida à cigana, faz sua pose e espera em silêncio o início da próxima música. Ela começa pisando firmemente com seu tamanco no chão de madeira. Olha com olhar firme e bravo para o público. Minha alma gela e se encolhe. Realmente não é o tipo de mulher com a qual se brinca.
Depois do show fico ainda um pouco lá, tomando a última cerveja da noite e penso nas outras pessoas que conheci durante o dia. De outros ciganos, dos marginalizados em toda a Europa. São os romenos e, em Sevilla, estão acampados num parque perto do centro da cidade. Eles são facilmente vistos pelas ruas com seus carrinhos de supermercado cheios com o desperdício dessa sociedade de desperdícios. Pelo acampamento podem-se ver algumas barracas, motor-homes, pilhas de lixo e várias crianças brincando sob o sol escaldante do meio dia. Elas não param de chegar e me rodeiam. Começo a tirar fotos e elas simplesmente ficam malucas quando sabem que são para um importante jornal do Brasil. Pedem para colocar na legenda “Máfia romena” e se abrem em risos e pulos de alegria.
A magnífica Catedral de Sevilla.
Crianças ciganas brincando em acampamento.
Fahita Muñoz: hippie, motoqueiro e excêntrico sevilhano.
COLUNA DO ANDARILHO
por Edson Walker