O Andarilho

29.03.2012

PRIMEIRA COLUNA NA GEÓRGIA

Lembro-me bem de quando era criança e nevou pela primeira vez na vila onde cresci. Eram apenas uns floquinhos brancos, misturados com gotas de chuva fria mas, para nós, era neve pura. As crianças na escola corriam insanas tentando pegar algum dos flocos mas aquele era um tipo de beleza que nós não podíamos possuir pois derretiam instantaneamente ao tocar nossas mãos. Mesmo assim era fascinante e, como vocês podem ver, inesquecível.

 

Já aqui na Turquia, a situação é totalmente diferente. Não vejo ninguém assim tão feliz com isso. Uma menina até mesmo me diz que odeia neve. Para mim é quase um pecado dizer uma coisa assim mas depois de passar algumas semanas rodeado por paisagens nevadas, consigo até entender. As crianças daqui não veem a hora de chegar logo a primavera. O inverno para elas é como uma prisão. É até bonita mas não dá para ficar meses se divertindo fazendo apenas bonecos de neve.

 

Em alguns lugares a primavera até já chegou, meio tímida ainda mas já se vê um grande avanço em comparação com cidades nas montanhas. Por exemplo, no sul, ao lado da fronteira com a Síria, o trigo já está a um palmo do chão e algumas crianças, na beira da estrada, vendem pequenos ramalhetes com as primeiras flores silvestres do ano. Alguns quilômetros adiante, agora nas montanhas na fronteira com o Iraque, ainda resta muita neve e ela forma uma paisagem belíssima ao derreter-se e misturar-se com o marrom do terreno desértico do sul do Curdistão.

 

Em algumas encostas das montanhas, a neve chegou a acumular-se tanto que as estradas precisaram ser reabertas com máquinas, criando assim, quase que um túnel com paredes de até 4 metros de altura. Rios de água barrenta formam-se por todos os lados. Lama espalha-se por todas as cidades. Gota após gota é absorvida pelo ar ou pela terra. Após, passarão novamente por meses de seca até o próximo inverno e até lá, será o marrom da poeira que cobrirá toda a paisagem.

 

No caminho em direção à Geórgia, estive em lugares incríveis no leste da Turquia como por exemplo o famoso Monte Ararat. Pude enxergar ao lado a Síria, Iraque, Irã, Armênia e Geórgia, onde acabei de chegar. Passei a última semana viajando constantemente, dormindo cada noite em um hotel diferente. Estou exausto mas, valeu muito a pena. Ao fechar meus olhos, centenas de imagens intercalam-se rapidamente, é quase como que sonhar acordado. Quando durmo, tenho muitos sonhos, minha mente anda ocupada tentando organizar tudo novamente.

 

Num desses finais de tarde, enquanto o sol ainda iluminava com sua luz amarelada, cheguei desavisado na cidade de Van. Achei logo estranho encontrar tanta gente acampada em várias partes da cidade em pleno inverno com neve ainda por todos os lados. “Talvez sejam ciganos.” pensei. Ao andar pela cidade procurando abrigo para a noite, notei também que as companhias de construção do lugar eram péssimas pois vários prédios apresentavam imensas rachaduras comprometendo toda a estrutura.

 

Como a quantidade de prédios condenados e outros sendo ainda demolidos era muito grande, logo percebi que estava no epicentro do último grande terremoto aqui na Turquia que aconteceu no final do ano passado. Triste uma cidade destruída como esta mas incrível perceber a força que o ser humano possui para recomeçar. É difícil mas não resta outra alternativa. Dói por muito tempo, como ainda dói para um senhor que me deu uma carona e perdeu um filho de 8 anos. Ao relembrar, lágrimas rolam em seu rosto, as quais enxuga discretamente. Eu, ao lado, sem sequer poder falar qualquer palavra em turco que pudesse consolá-lo, via-o apenas apontando para o céu e dizendo: Allah!

 

Na fronteira com a Geórgia, peguei uma carona inusitada com 3 iranianos que estavam indo para a capital Tbilisi. Como o inglês deles era muito pouco, demorei muito para entender o motivo da viagem. É feriado agora no Irã. São 13 dias celebrando o ano novo e muitos aproveitam essa longa folga para viajar. Como a Geórgia é um país cristão, o principal motivo da viagem é sair um pouco da rotina indo para boates, dançando e bebendo. Quem sabe até arrumar uma namoradinha russa ou armênia. Essas parecem ser as únicas coisas que vão fazer aqui durante os 3 dias de liberdade que conseguiram. Imaginem vocês terem que ir para um país vizinho para poder beber com os amigos no final de semana. Pois é, nem tudo é ruim no Brasil.

 

Quem quiser saber mais sobre a Geórgia, não perca a próxima coluna, se Deus quiser.

Legendário Monte Ararat onde Noé pisou novamente em terras firmes.

Pôr do sol em Mardin.

Paisagem no Curdistão turco.




 

Edson Walker