O Andarilho
23.05.2012
HISTÓRIAS DA GEORGIA
Esperava meio apreensivo na recepção enquanto olhava aquele raro e antigo mapa da cidade de Recife todo escrito em holandês. Fui com minha melhor roupa: uma calça jeans comprada num brechó de Jerusalém, uma camisa branca com listras que ganhei do meu irmão marroquino em Rabat e minhas botas de caminhada de 10 meses de estrada. Nas salas ao lado ouvia pessoas falando no telefone em português. Na parede recém pintada de branco, sorrindo, um retrato da nossa presidente. Sim, estava em território brasileiro.
Nem sei bem porque estava ali, acho que era pura saudades de casa, ai inventei uma história sobre uma exposição de fotografias na capital Tbilisi e o embaixador brasileiro queria me conhecer. Subi as escadas de madeira dessa antiga casa restaurada sem nem sequer saber como deveria me comportar diante de tão ilustre figura. Chamo-o de senhor? Vossa excelência? Ilustríssimo senhor? A escadaria havia acabado e não dava mais tempo para saber pois já apertava sua mão e agora a única saída seria ser eu mesmo e ver no que dava.
Meu português saía meio sem jeito. Palavras desapareciam para completar minhas frases. Não falava português há tanto tempo que era até estranho me expressar novamente na minha língua materna. Pernambucano, Carlos Alberto Asfora, nosso primeiro embaixador na Geórgia, me deixou tão à vontade que era praticamente impossível chamá-lo de qualquer outra coisa a não ser “você”, apesar, é claro, de sua ilustríssima e respeitável figura.
A conversa foi franca e informal. Eu viajava ouvindo suas histórias dos mais de 40 anos como diplomata brasileiro em países como a Índia, China, França e Holanda. Para mim a vida de embaixador era sempre um mistério, um ideal romantizado e eu lá, sentado naquela cadeira confortável, absorvia tudo como alguém que lê um livro de aventuras embaixo de uma árvore.
Tão interessado quanto eu em ouvir histórias de viagens estava o embaixador que havia visto já algumas das minhas fotos na minha página do Facebook. Como já era 1hr da tarde, continuamos a conversa num dos melhores restaurantes da cidade onde descobri que nosso embaixador, além de tudo, também canta bossa nova e gravou até já dois Cds, os quais pretende me presentear na volta à embaixada depois do almoço.
Foi um encontro memorável e me sentia todo orgulhoso. Deixei a embaixada com seus CDs de bossa nova e uma estranha sensação de ter conhecido um novo grande amigo ao invés de um Ilustríssimo Senhor Embaixador. Mostrou-se ainda interessado em me ajudar a organizar uma exposição de fotografias minhas aqui em Tbilisi na minha volta à Geórgia. Sim, tenho a certeza em meu coração de que voltarei em breve para cá.
Para quem estava achando estranho eu ainda não ter feito nenhum comentário nesta coluna a respeito de vinhos aqui na Geórgia, saiba que isso é praticamente impossível. No domingo passado fui finalmente conhecer a famosa região de Kakheti onde são produzidos mais de 70% dos vinhos do país. Estava interessado principalmente em conhecer os túneis construídos pelo exército russo para armazenamento de armas e munições e que hoje são usados para armazenamento de vinho.
O local é um complexo de cerca de, impressionantes, 8kms de túneis que possuem uma temperatura interna que varia de 14 a 18 graus durante o ano inteiro. “Lugar perfeito para estocar nossos vinhos” pensaram logo os georgianos quando os russos abandonaram o local. Apenas uma parte é aberta hoje ao público e o restante é usado por vinícolas para estocagem. É provavelmente a maior adega do mundo e via no rosto do meu amigo Mamuka a expressão de alegria igual a uma criança entrando num paraíso cheio de brinquedos. Após provar alguns dos vinhos fomos para o restaurante da vinícola e almoçamos numa mesa no jardim. Como sempre na Geórgia, logo a mesa encheu-se de diferentes pratos locais e o banquete, claro, acompanhado sempre por vinho e inúmeros brindes, demora para terminar.
Na volta, domingo à tarde, nas vilas podia-se observar vários grupos de amigos bebendo e conversando na sombra de alguma árvore. Mulheres com baldes cheios de morangos e cerejas, esperavam pacientemente por clientes na beira da estrada. Videiras crescem por todos os lados. Idosos, segurando suas bengalas, sentados em bancos de madeira na frente de suas casas, passam horas ali vendo o tempo passar enquanto rebanhos de ovelhas interrompem o tráfego de carros voltando apressados para a capital.
Estou trabalhando diariamente na edição do meu primeiro livro de viagens com as histórias e algumas fotos desses últimos 10 meses que vocês acompanharam semanalmente. O layout da capa já está pronto. Vejam como ficou na foto abaixo.
Abraços e até a semana que vem.
Entrada do paraíso.
Antigo complexo de túneis militares hoje usados para armazenar vinho.
Capa do livro com as histórias dessa viagem.