Contando Histórias
19.10.2014
Entrevista com Paulo Becker e sua esposa Sônia Becker, proprietários de uma das primeiras serrarias instalada em Santa Helena e que ainda está em atividade no município
Na quinta-feira, 18 de setembro de 2014, o professor João Rosa Correia de História, da Escola Estadual Graciliano Ramos – Ensino Fundamental Séries Finais e do CEEBJA de Santa Helena, entrevistou o Sr. Paulo Valmor Becker e sua esposa Sr.ª Sonia Regina Becker, na residência do casal localizada na Avenida Paraná nº 2700, Bairro Vila Rica. Este encontro teve como finalidade conhecer sua história, de seus familiares e de uma das últimas serrarias em funcionamento na sede do município, pertencente à família do entrevistado.
Paulo Becker apresentou os nomes de seus pais: Alfredo Emílio Becker nascido no município de Guaporé RS, sua mãe Elvira Becker, ambos de origem alemã. Grau de instrução, antigo primário incompleto.Desta união matrimonial nasceram seis filhos. Após o casamento, Alfredo Becker fixou residência na localidade de Rio dos Índios RS onde tinha uma propriedade agrícola de vinte e quatro hectares de terra, (um hectare corresponde a 10.050 metros quadrados de área). Nesta propriedade, a família trabalhava. No ano de 1967 Alfredo negocia a área de terra e transfere residência para o município de Nonoai RS pelo qual adquire uma serraria e um armazém de secos e molhados (secos e molhados, quer dizer: comércio de vendas de alimentos, bebidas, roupas, calçados, produtos agrícolas, entre outros).
Naquela localidade Alfredo Becker trabalhou pouco tempo com a serraria e o armazém. No território pertencente à Nonoai havia uma reserva indígena de povos guarani conhecida como Gleba dos Índios. Segundo Paulo Becker os índios consumiam demasiadamente bebidas alcoólicas compradas no armazém da família. Esta situação ocasionava certo constrangimento para Alfredo e familiares. Diante deste problema e de outras dificuldades enfrentadas em Nonoai, Alfredo Becker e família resolvem mudar-se para Santa Helena.
Chegaram a este município no mês de dezembro de 1969. Alfredo Becker alugou uma residência no local conhecido atualmente como Toca da Onça, para abrigar a família. A casa pertencia a Ernesto Beline. Logo a seguir Alfredo Becker comprou as instalações de uma serraria da família Kerber. Este empreendimento estava localizado na entrada do distrito de Moreninha (lado direito) de quem vai de Santa Helena. Diariamente Alfredo deslocava até aquela localidade para trabalhar na madeireira. A administração dos trabalhos na serraria ficava sob sua responsabilidade com auxílio dos filhos mais velhos. Enquanto pai e filhos trabalhavam na serraria, a esposa Sr.ª Elvira cuidava dos afazeres domésticos.
A procura por madeiras serradas era constante e para atender aos pedidos, Alfredo Becker chegou contratar dez funcionários como auxiliares nos trabalhos da madeireira. Também comentou Paulo, que nos anos de 1970 a contratação de trabalhadores era menos complicada. As leis trabalhistas existiam, porém a as exigências não eram como nos dias de hoje. Com menos encargos sociais facilitava a sobrevivência no ramo madeireiro.
A família Becker trabalhou até o final de 1970 com a serraria de Moreninha. Alfredo vende a mesma e adquire outra instalada na Avenida Paraná no atual Bairro Vila Rica - SH. Afirma Paulo Becker que o antigo proprietário João Rentz lhes disse que aquela serraria foi construída por ele no ano de 1969. A serraria está assentada num espaço de seis terrenos (cada terreno mede seiscentos metros quadrados).
Alfredo Becker ao fixar residência na sede do município comprou um terreno na Vila Rica, conhecida no passado como a região do banhado de Santa Helena. Neste local tinha muito brejo, diversas minas de água e o riacho denominado no início da colonização: Rio Santa Helena, atualmente o leito do “rio” encontra-se encoberto por laje. O lote urbano adquirido por Alfredo está localizado entre a Avenida Paraná com a esquina da Avenida São Paulo pelo qual construiu a residência, transferindo a família para lá. Também comprou dois alqueires de terra (um alqueire paulista de terra corresponde a vinte quatro mil e duzentos metros quadrados). A propriedade ficava nos fundos de onde hoje é a empresa de biscoito Naga conhecida pelo nome de Bolacheira (Gleba Alegrete). Nesta área plantavam soja e milho. Os cuidados com a lavoura estava a cargo da própria família Becker.
Com o falecimento de Alfredo Becker no ano de 2003 e a mãe em 2006 os herdeiros venderam e repartiram o dinheiro arrecadado da negociação da chácara. No início da década de 1970 relembra Paulo Becker que a Avenida Paraná e demais ruas que atravessam o Bairro Vila Rica não estavam abertas. O referido bairro se constituía de puro banhado e matagal, o que obrigava a família de Alfredo seguir pela Avenida São Paulo até atingir a Avenida Brasil, para chegar com mais segurança até a serraria. A família de Alfredo Becker é quem conduzia quase todos os trabalhos na madeireira. Como era grande a procura de madeira serrada e, para dar conta dos inúmeros pedidos dessa mercadoria, Alfredo Becker contratava conforme a época até quatro funcionários. Com a colaboração desses trabalhadores e o empenho familiar, as madeiras negociadas com os clientes podiam ser entregues dentro do prazo estipulado.
Para um melhor desempenho dos trabalhos na serraria, a família Becker dividia as tarefas entre si: Alfredo Becker controlava a compra e venda de madeiras brutas e serradas; Armelindo Becker encarregado do transporte das toras do campo até a serraria; Romualdo Becker (já falecido) responsável pelo comando da serra fita que cortava as toras para fazer tábuas, caibros, vigotas, ripas; as filhas, Dulce Becker e Noeli Becker (já falecida) encarregadas de gladiar (empilhar) as madeiras serradas e as lenhas que abastecia a caldeira; Paulo Becker, o mais novo integrante da família, ficava na responsabilidade de colocar lenha na caldeira e acendê-la. Com o aquecimento desta, gerava vapor que acionava os maquinários da serraria. Esta tarefa Paulo Becker começou a executar diariamente às quatro horas da manhã quando tinha nove anos de idade.
As toras serradas na madeireira eram na maioria Ipê, Cedro, Marfim e Loro, por serem de boa qualidade, resistentes e de melhor valor comercial, e que existia em grande quantidade no oeste do Paraná na década de 1960 e 1970. Alfredo Becker comprava as madeiras dos agricultores de Santa Helena e região ainda na mata, no estágio natural. Contratava trabalhadores para derrubar somente as madeiras que lhes interessava. Para retirar as toras do mato fazia uso de possantes juntas de bois. A partir daí usavam roldanas e catracas para colocar as toras sobre a carroceria do caminhão, conhecido na época como toreiro (toreiro – caminhão adaptado para carregar e transportar toras). Entre 1970 e 1971 Alfredo Becker não possuía caminhão próprio para transportar as madeiras negociadas. Assim se via na obrigação de contratar os serviços de proprietários de caminhões toreiros. Em Santa Helena João Massaneiro (reside atualmente próximo ao viveiro instalado na área de reserva ambiental de Itaipu SH), dispunha de um caminhão Perk F. 600 (toreiro). Alfredo Becker o contratava para que este fizesse o transporte das toras do campo até a serraria. No ano de 1972 Alfredo Becker comprou um caminhão Mercedes de cor azul ano 1957 (toreiro) da família Backes de São Clemente (SH). De acordo com Paulo Becker, o primeiro proprietário do referido caminhão foi o dono da empresa Café Rainha de Marechal Cândido Rondon. Este caminhão serviu aos trabalhos na serraria até o ano de 2004. Muito desgastado pelo intenso trabalho, fez com que a família Becker adquirisse outro caminhão, agora um Chevrolet ano de 1977. Esta aquisição ocorreu no ano de 2005. O mencionado caminhão serviu ao transporte de madeiras brutas e serradas até o mês de agosto 2014 quando Paulo Becker se acidentou. O caminhão ficou destruído. Buscando facilitar o serviço na serraria, Alfredo Becker adquiriu um trator Massey Ferguson 95 no ano de 1980, para guinchar e arrastar as toras, substituindo o trabalho das juntas de bois.
Parte da madeira beneficiada os Becker negociavam com moradores do município de Santa Helena e região, que utilizavam na construção de moradias, galpões, cercas, chiqueirões e currais. Outro percentual, (década de 1970) Becker negociava com comerciantes das cidades de Passo Fundo e Porto Alegre RS. Ele próprio entrava em contato com as pessoas interessadas na compra do seu produto e, assim que fechava a negociação, Alfredo contratava proprietários de caminhões freteiros para entregar a mercadoria no seu destino. Por ser muita madeira que os rio-grandenses adquiriam mensalmente, obrigava Alfredo contratar dois caminhões truques (fretes) para realizar a entrega das madeiras negociadas. A facilidade na transação comercial com negociadores do RS vem desde quando Alfredo Becker tinha serraria naquele estado e lá negociava madeiras com os gaúchos.
Vale ressaltar, que o preço das madeiras brutas (toras) era bom para o comprador, pois interessava ao agricultor a limpeza de sua terra, que tinha como objetivo o plantio de cereais e ou gramíneas. Por outro lado também ao agricultor, haja vista que além de receber pela madeira vendida, deixava de gastar dinheiro na derrubada daquela vegetação, afirma Paulo Becker.
De acordo com o entrevistado, as estradas durante a época das chuvas transformavam-se num enorme obstáculo aos donos de serraria, em razão dos atoleiros que formavam no caminho, (atoleiro: local de grande acúmulo de barro em razão das chuvas). Os motoristas de caminhões toreiros amarravam correntes nas rodas traseiras como forma de vencer os atoleiros, mas nem sempre este mecanismo era suficiente para que o caminhão saísse do lamaçal. Paulo Becker acrescentou, conforme o caso precisava descarregar totalmente as toras que se encontrava sobre o caminhão para que fosse possível retirá-lo daquele local e esperar que o sol secasse aquela área umedecida. Às vezes com o auxílio de bois de canga e de trator se conseguia remover o caminhão do atoleiro sem que necessitasse o descarregamento das madeiras.
Outro constante perigo que enfrentava madeireiros/toreiros quando tinha que atravessar pontes feitas de madeiras. Normalmente eram estreitas e pelo excesso de peso que passava sobre elas, aliadas às constantes chuvas, potencializava o desgaste rápido o que colocava em riscos a vida das pessoas que transportavam as toras, enfatizou Paulo Becker. Quando os maquinários da serraria apresentavam algum defeito e que a família Becker não conseguia consertá-los, recorriam aos mecânicos: Vint que morava no Bairro Baixada Amarela e ou João Vivan (mecânica ficava onde hoje está a loja de Motos Falcon) de SH para que estes solucionasse o problema apresentado.
Continuando com a entrevista, Paulo Becker disse que nasceu no município de Nonoai, RS no dia 25 de outubro de 1961. Chegou a Santa Helena com seus pais aos oito anos de idade. Estudou na Escola Municipal Marechal Deodoro da Fonseca e Escola Estadual Graciliano Ramos, onde completou o ensino fundamental (antiga 8ª Série). E que sempre trabalhou no ramo madeireiro com seus familiares. Casou-se com Sônia Regina no dia 06 de setembro de 1986 em Santa Helena. Ela de origem alemã. Natural do município de Maravilha SC. Grau de instrução Ensino Médio Completo. Filha de Nilton Luiz de Oliveira e Leocádia de Oliveira. Seus familiares vieram para Santa Helena no ano de 1974. Nilton de Oliveira trabalhou de patroleiro efetivo da prefeitura municipal de SH. Faleceu durante o tempo que estava prestando serviços à municipalidade.
Da união de Paulo e Sônia nasceram três filhas: Ana Paula Becker, Marcela Regina Becker e Márcia Cristina Becker e um filho Paulo Roberto Becker, todos nascidos neste município. A Sr.ª Sônia, além de cuidar dos afazeres domésticos, trabalhou entre o ano 2000 a 2012 de cozinheira e zeladora na Escola Municipal Tancredo Neves do Bairro Vila Rica. Disse Sônia que nunca levou muito jeito para trabalhar com as atividades exercidas na madeireira da família. No entanto quando havia muitos pedidos de compras de madeiras procurava auxiliar o esposo no intuito de que o marido pudesse entregar a mercadoria aos clientes conforme negociação. E assim, segue a vida do casal.
Após o falecimento de Alfredo Becker (2003), Paulo assumiu sozinho o controle da serraria. A partir desse momento manteve de um a três funcionários como auxiliares dos trabalhos da serraria, pagando por mês e com carteira assinada. Disse ainda que a partir da década de 1980 ficaram escassas as madeiras nobres (marfim, ipê, peroba, loro, entre outras), com isso ocorreu considerável aumento dos preços daquelas madeiras, aliada a intensa fiscalização dos órgãos ambientais, exemplo IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais no combate a extração e comercialização do que restou das madeiras nativas. Tais circunstâncias restavam a Paulo Becker duas opções: encerrar com os trabalhos madeireiros e/ou adaptar aos “novos tempos”. Analisou o contexto e optou continuar exercendo a profissão de madeireiro, pois sua vida sempre esteve ligada com este ramo. Sendo assim, nestes últimos vinte anos, praticamente toda madeira serrada na madeireira Becker passou a ser de eucalipto e grevílea, conhecida como vegetações exóticas (neste caso, exótica quer dizer – vegetação retirada pelas mãos humanas de um determinado bioma e introduzida por estes num outro bioma totalmente diferente um do outro. Origem da Grevílea: Austrália. Introduzido no Brasil (SP) no final do século XIX. Origem do Eucalipto: Austrália. Introduzido no Brasil (SP) em 1904). A forma de compra de eucalipto é por metro cúbico. Paulo Becker além de comprar eucalipto dos agricultores se responsabiliza cortar e transportar a “toras” até a serraria. Do eucalipto retira tábuas, vigotas, caibros e ripas. Relata que no início da produção das madeiras de eucalipto havia enorme rejeição dos compradores, porque estavam acostumados com as nativas que são resistentes e as exóticas, mole e de pouca durabilidade. No entanto, com a escassez das madeiras de lei, aliado ao elevado preço, intensa fiscalização do IBAMA, e a necessidade destas na construção civil em expansão, fez com que as madeiras de eucalipto passassem a ser aceitas como solução para o problema que se apresentava. Além dessas questões acrescenta-se o preço mais acessível desta mercadoria. As madeiras de eucalipto têm como utilidade em cacharias, tesouras, andaimes, sustentação de lajes, entre outros fins. Para finalizar Paulo Becker comentou que atualmente os agricultores estão plantando pouco eucalipto, por outro lado vem ocorrendo intensa extração da referida madeira e isto está dificultando a sua aquisição. Cada vez mais é preciso percorrer muitos quilômetros para tentar conseguir negociar uma carga de eucalipto o que faz encarecer o preço das madeiras serradas.
Em razão dos terrenos e da serraria pertencerem aos familiares de Paulo Becker, houve a necessidade de se fazer a divisão de todos os bens entre os herdeiros. Na partilha dos imóveis, coube a Paulo Becker os maquinários da serraria e que será necessário retirá-la daquele local. Prevendo tal situação, Paulo Becker adquiriu na Linha Guarani quatro mil metros quadrados de terra de Auri Darci Petry e nesta área pretende assentar a serraria e dar continuidade com os trabalhos de madeireiro.
Agradeço ao Sr. Paulo Becker e a sua esposa Sr.ª Sônia Becker que gentilmente concedeu esta entrevista. Os relatos proferidos pelo casal e aqui registrados servirão às gerações futuras a terem uma noção geral de uma serraria. E que esta vem sobrevivendo até o presente momento, mesmo após o fim do ciclo das madeiras nativas em nossa região, graça à persistência de seu atual proprietário. Dentro do contexto da expansão capitalista das décadas de 1960/70 os proprietários de madeireiras do oeste paranaense contribuíram para a transformação sócio/econômico e ambiental desta região.
Paulo Becker e Sônia BeckerProf. João e Paulo Becker
Madeiras de peroba. Alfredo Becker comprou do Sr. Silvino Rabaiolli. Linha Santo Antônio Sub Sede SH. Final da década de 1990
Tora de Ipê sendo serrada. Ano de 2002. Paulo Becker que aparece na foto. Segundo Paulo a madeira retirada dessa tora foi construído o antigo Salão Ipê do Bairro São Luiz
Caminhão Mercedes, Ano 1957. Adquirido por Alfredo Becker em 1972. Este em atividade até 2004
Caminhão Mercedes (toreiro) e ao fundo a serraria Becker
Paulo Becker e a serraria
Serra fita adquirida pela família Becker no ano de 2000. Trouxeram do município de Santo Cristo RS. Mais potente e rápida em relação a outra que a empresa possuía
Trator Massey Ferguson 95. Adquirido em 1980 por Alfredo Becker. Para guinchar e arrastar as toras. Substituiu os trabalhos das juntas de bois
Paulo Becker e as madeiras por ele serradas
Paulo Becker
Madeiras de eucalipto. Foto de out. 2014
Eucalipto e grevílea
Estrutura interna da serraria
Prof. João em frente da serraria Becker
Prof. João
Prof. Célio Pinto e o caminhão toreiro. Ano 1957
Prof. Célio Pinto conhecendo a Serraria Becker
Escola Municipal Tancredo Neves SH. Nesta instituição de ensino trabalhou por 12 anos a Sra. Sônia
Escola Municipal Tancredo Neves. Bairro Vila Rica SH. Foto out. 2014
Residência construída em 1970 por Alfredo Becker no ano de 1970. Local, esquina da Avenida São Paulo com a Avenida Paraná. Entrada do Bairro Vila Rica
Tábuas de eucalipto
Caminhão que Paulo Becker alugou para transportar madeiras, após osofrer um acidente no mês de agosto de 2014. O veículo ficou destruído
Paulo Becker entregando madeiras na Rua Paraguai. Outubro de 2014