Contando Histórias
21.03.2016
Entrevista com Lourdes Zembruski Osvald, pioneira do município
Na terça-feira 03 de novembro de 2015, entrevistei a Sra. Lourdes Zembruski Osvald, mais uma pioneira de Santa Helena-PR. O encontro ocorreu em sua residência no Bairro Sol Nascente à Rua Guimarães Rosa s/nº. Lourdes nasceu no dia 22 de setembro de 1952 no município de Tuparandi no Rio Grande do Sul.
A entrevistada apresentou os nomes de seus pais, bem como aspectos de suas histórias: Paulo Boleslau Zembruski e Amélia Zamberlan Zembruski. A mãe era de origem italiana e o pai polonês, tinham como profissão agricultores. Após residirem por alguns anos em Tuparandi, os pais de Lourdes transferiram residência para Tenente Portela, também no Rio Grande do Sul (RS).
Entre 1958 a 1959, vieram para o sudoeste do estado do Paraná onde fixaram residência no município de Capanema. Acreditando que o extremo oeste paranaense poderia oferecer melhores condições de vida à família, Paulo Zembruski desloca com sua prole para Santa Helena no ano de 1960, acompanhando-os vieram mais duas famílias.
O transporte das famílias e dos seus pertences domésticos foi através de um caminhão. A travessia do Rio Iguaçu entre Capanema e Jardinópolis, (atualmente Serranópolis) fizeram através de uma balsa que existia para esta finalidade. Ao transpor o Rio Iguaçu, adentraram a Estrada do Colono em meio ao Parque Nacional e assim seguiram viagem até chegar em Santa Helena. As estradas eram muitas esburacadas o que dificultava imensamente o desenrolar da viagem. Sem contar os sustos que passaram ao longo da viagem, uma vez que durante o trajeto o caminhão encalhou por algumas vezes nos lamaçais que ia se formando nas estradas e com sérios riscos de tombar com os viajantes, recorda Lourdes.
A família de Paulo Zembruski era constituída de 7 filhos, sendo que cinco nasceram no RS e dois quando estavam residindo em Santa Helena: Roque Zembruski e João Zembruski.
Ao fixar residência em Santa Helena, Paulo e família deram continuidade nos trabalhos do campo (agricultura). Adquiriram uma área de três alqueires de terra através de posse (quer dizer sem escritura pública) tendo como um dos limites da referida propriedade o Rio São Francisco Falso. A área de terra ficava logo abaixo do Saltinho (Saltinho, um dos locais de lazer dos santa-helenenses desde o início da colonização de Santa Helena até 1982 quando foi submerso pelo Lago de Itaipu).
Como não havia casa construída na propriedade para abrigar a família, residiram por uns dias num galpão cedido pelo vizinho de terras de nome Yungues. Nesta moradia a família Zembruski dormiam sobre tarimbas (espécie de camas improvisadas, feitas por duas e/ou três tábuas brutas sobrepostas em cavaletes). Na sequência construíram a própria residência onde a maior parte das madeiras usadas foram confeccionadas à base de facão e machado, inclusive a cobertura era de tabuinhas, afirma Lourdes.
Naquela época, (década de 1960) tudo era mato na região oeste do Paraná, recorda Lourdes. Disse ainda que as crianças normalmente ficavam em casa, enquanto os pais e os irmãos mais velhos iam trabalhar na lavoura. De acordo com Lourdes, esta situação lhes deixavam com muito medo, pois, as pessoas falavam da existência de onças que percorriam as florestas da região.
Outro fato que deixava-os bastante apreensivos eram os contínuos uivos dos macacos no interior das matas que ficava bem próximas da residência. Entretanto, um dos piores desafios no qual os chefes de família (colonos/posseiros – década de 1960) tiveram que vencer na região oeste do Paraná relatado por Lourdes foi quando seus pais souberam da existência de jagunços que percorriam a região.
Afirma Lourdes que as jagunçadas em suas andanças chegavam nas residências dos posseiros e tentavam expulsá-los de suas terras por meio de ameaças de despejo, insultos entre outras formas de pressão, se assim recusassem deixar a área ocupada, comentou Lourdes. Disse ela também que Polícia não existia para coibir as intromissões dos jagunços.
Àquela altura, a única saída que os posseiros encontraram para tentar vencer este desafio, a tática, procuravam no menor sinal da presença dos jagunços na barra do Rio São Francisco Falso, (local das terras de Paulo Zembruski e de outros colonos), era fugir e esconder no interior das matas. Inclusive a residência de Paulo Zembruski foi visitada por um grande grupo de jagunços onde perguntaram a Sra. Amélia Zembruski de onde vieram, assim que ela respondeu de Capanema, prontamente os jagunços responderam, que retornassem o mais breve possível para a região que haviam saídos. Quando isto aconteceu, Paulo encontrava escondido nas matas, porque o alvo dos jagunços eram amedrontar os chefes das famílias.
A pressão psicológica que exerciam os jagunços sobre os posseiros era umas das estratégias usadas por eles como instrumento de desestabilizar as famílias que residiam nas terras sem documentação do estado. Com isso acreditavam que os posseiros abandonariam as terras apossadas, mas a perseverança, coragem e a vontade de aqui permanecer fizeram com que muitos suportasse tal situação e continuasse vivendo nesta região. Há de salientar, das duas famílias que vieram com Paulo Zembruski, uma delas tendo como chefe o Sr. Machado mudou-se para o Paraguai fugindo das investidas dos jagunços. Entregou sua posse em troca de uma cabeça de vaca, afirma Lourdes.
Ainda segundo Lourdes, os jagunços não costumavam atacar mulheres e crianças, pelo menos disse que desconhece algum caso nesse sentido no período de tempo que residiram na barra do Rio São Francisco Falso. Porém, indiferente de ser mulher, os jagunços não deixavam por menos, exerciam as pressões acima relatadas. Disse Lourdes, como enfrentar um agrupamento de homens bem armados, dispostos a tudo? Mesmo diante destes inconvenientes, a família Zembruski ia aos poucos derrubando as matas e plantavam milho, feijão e mandioca. Todo o processo de colheita dos cereais eram realizados manualmente.
Com o milho era um pouco mais difícil, pois havia a necessidade de descascar e debulhar, fazendo uso das próprias mãos. Após estes procedimentos, se fazia necessário leva-los ao sol para secá-los. Quando seco, parte da colheita deste cereal era levado ao moinho para que fosse trocado por farinha de milho.
No entanto, como o moinho estava localizado do outro lado do Rio São Francisco Falso, oposto das terras da família Zembruski, o que os obrigavam transportar o milho inatura por meio de barco até a máquina de beneficiamento. Às vezes não era possível realizar o transporte de barco via Rio São Francisco Falso até o moinho que ficava localizado acima do Saltinho. Quando isto acontecia, restava aos Zembruski ensacar e carregar o milho sobre os ombros até o moinho.
Durante o trajeto enfrentavam diversos perigos, mas o mais preocupante era a travessia junto às quedas do Saltinho. Qualquer escorregão que porventura viessem acontecer a eles, corria sério risco de cair e sofrer grave acidente. Verdadeira aventura comentou a entrevistada. Como Cristã, Lourdes acreditava que Deus e os anjos do Céu segurava nas mãos de seus familiares quando realizavam a travessia do Saltinho, o que certamente livrou-os de qualquer acidente, acredita ela.
Ainda hoje ao falar sobre este fato, Lourdes recorda e se emociona ao relatá-lo. Com a farinha de milho, a mãe de Lourdes, auxiliada pelas filhas faziam diversos bolos, pão de milho, polenta e demais derivados do referido cereal.
Lourdes comentou também que a família após preparar os pães, colocava-os sobre folhas de bananeiras para depois levar ao forno. Esta forma de assar os pães substituía o uso de outras vasilhas, sem que isso representasse algum gosto diferente neste tipo de alimentação, concluiu Lourdes. Para reforçar a alimentação da família, criavam porcos tratando-os com o milho colhido na propriedade.
A produção dos cereais no início da colonização de Santa Helena tinha basicamente como interesse abastecer a própria família, haja vista que naqueles idos tempos não havia comércio para negociar os excedentes de produção que os agricultores (colonos) colhiam em suas terras.
Ressalta ainda Lourdes, que ao diminuir os trabalhos na propriedade da família, Paulo procurava trabalhar a outros agricultores que necessitasse de seus serviços nas lavouras, era uma forma de ganhar um dinheiro extra o que auxiliava nas compras de produtos que não produziam na própria propriedade: como exemplo, sal, farinha de trigo, açúcar, querosene, entre outros.
Mesmo diante a muitas dificuldades que enfrentaram nos primórdios da colonização de Santa Helena, disse Lourdes que sentiam-se felizes. Se quer havia escola primária para que as crianças pudessem estudar, fato que dificultou sua alfabetização. Segundo Lourdes, somente durante o mandato do primeiro prefeito de Santa Helena Arnaldo Weisheimer (1968) foi construída (improvisada) uma escola primária próximo à localidade em que residiam, no entanto, contando com 17 anos de idade na época, não encorajou frequentar o ensino primário, em razão disso ficou sem aprender a ler e escrever, portanto, analfabeta.
Para professar a fé espiritual, os vizinhos se reuniam na casa de um deles e assim rezavam cultos nos finais de semana em razão da falta de padre e templo religioso. Outra dificuldade enfrentada pelos colonos era a falta de tratamento médico. Quando alguém da família ficava doente, recorreriam ao tratamento com ervas medicinais produzidas no quintal de casa ou extraídas das matas, uma vez que hospital havia em Foz do Iguaçu e Cascavel, muito longe na época.
Ainda segundo Lourdes, ela mesma se machucou em casa com certa gravidade, em razão das dificuldades apresentadas, seus pais deixaram de encaminhá-la a tratamento hospitalar o que ocasionou-lhe uma sequela para toda a vida. Há de salientar que no início da colonização, agentes de saúde percorria a região oeste do estado com finalidade de submeter os colonos/posseiros a análise sanguínea a fim de dectar a presença da malária no sangue dos mesmos.
Assim, os moradores da barra do Rio São Francisco Falso deslocavam até a residência de Paulo Zembruski nos dias marcados pela SUCAM para que Sra. Amélia Zembruski e a filha Lourdes coletassem o sangue daquele pessoal. Na sequência, a SUCAM recolhia o material coletado e realizava os procedimentos necessários.
Outro aspecto relembrado por Lourdes, ao falecer uma pessoa da comunidade, os vizinhos/amigos se reuniam em uma residência e assim eles próprios fabricavam o caixão com tábuas brutas que seria usado para enterrar o falecido (a). Isto demonstra quantos percalços os colonos/agricultores enfrentaram no início da colonização de Santa Helena, mas serve como demonstração de união e companheirismo que existia entre as pessoas da comunidade rural, enaltece Lourdes.
Em se tratando de lazer especificamente, como exemplo, bailes e demais festas, os colonos que aqui fixavam residências ressentiam de espaços próprios para seus divertimentos. Diante disso, os colonos buscavam na pescaria no Rio Paraná momentos de diversão. Afirma Lourdes que seu pai usava o seguinte artifício para atrair os peixes, primeiramente abatia pássaros silvestres e/ou franguinhos e na sequência colocavam-nos em diversos anzóis e assim lançava ao rio por meio de linhadas. No dia seguinte voltava ao local e geralmente encontrava fisgados grandes peixes, além de diversão, a pescaria enriquecia a alimentação de toda a família.
Outro momento que servia de descontração aos pioneiros era a caçadas dos animais silvestres, abundantes no passado. Abatiam quati, jaguatirica, pardos, pássaros diversos e outros animais.
O tempo foi passando, Lourdes além de auxiliar sua mãe nos afazeres domésticos, colaborava com os pais no trato com a lavoura. Relatou ela um fato pitoresco que aprontou seu irmão Júlio para com seu pai. Logo que plantou a lavoura de pepino, recomendou aos familiares que não consumisse-os antes de estarem em plenas condições de ser consumidos. Porém, o Júlio aplicou a seguinte “malandragem”, assim que os pepinos iam desenvolvendo, ele ia retirando dos pés e comendo com casca, sem que seu pai soubesse dessa atitude. Passou o período da produção de pepino daquele ano (façanha), seu pai acreditou que aquele ano não foi bom para este tipo de lavoura, disse Lourdes.
No ano de 1980 Lourdes casou-se com João Osvaldo, pelo qual tiveram dois filhos: Adriano e André. Ela e seu esposo continuaram trabalhando na agricultura, nas terras de seus pais. As terras da família de Lourdes por margear o Rio São Francisco Falso foi indenizada e em 1982 formou-se o Lago de Itaipu o que fez submergir uma imensa área de terras do oeste paranaense.
A Sra. Amélia, mãe de Lourdes não acreditava de maneira alguma que as águas do Rio Paraná e do São Francisco Falso encobriria vastas terras conforme relatavam os técnicos que visitavam os agricultores. Só acreditou quando realmente viu as águas dos rios subirem com certa rapidez e ocupando extensas regiões que outrora eram pastos, lavouras, e vilas. Ficou literalmente espantada, comentou Lourdes.
Assim que seus pais receberam a indenização de Itaipu, compraram um alqueire e meio de terra na Linha União em São Clemente e nesta propriedade trabalharam alguns anos. Na sequência arrendaram a pequena área de terra e vieram residir no distrito de São Clemente e ficaram morando até que ambos faleceram naquela localidade. Paulo Zembruski faleceu no dia 23 setembro de 1995 e Amélia Zembruski no dia 29 junho 2006.
A partir do momento que os pais de Lourdes foram para a Linha União, Lourdes e João Osvald passaram a morar no bairro Vila Rica na sede do município. Neste bairro residiram entre os anos de 1982 a 1986. Durante esta temporada, passaram a trabalhar com a atividade pesqueira no Lago de Itaipu. Entre 1987/88, Lourdes e João Osvald, foram trabalhar de agregados em Jardinópolis (hoje Serranópolis). Após este período retornaram à Santa Helena e foram residir na chácara do Senhor Agostinho apelido “Joelho”. Nesta propriedade agrícola, João e Lourdes tinham como compromisso cuidar os bens matérias ali existentes e pagar a energia elétrica que consumissem. Ficaram por pouco tempo trabalhando nesta propriedade.
A partir de então o casal voltou a residir no Bairro Vila Rica e passaram a exercer a profissão de pescadores artesanais, bem como todos os irmãos de Lourdes. Nesta atividade, pescavam corvina, armado, corimba, sardela, traíra, carazinho e deles faziam filé e negociavam no município e região. Às vezes conseguiam pescar surubi, piauçu e com um pouco de sorte e paciência até dourados. Segundo eles, esses peixes eram fisgados com mais facilidade quando se pescavam no outrora Rio Paraná.
Com formação do Lago de Itaipu (1982), afirmam os pescadores que os peixes escassearam. Comentou também Lourdes que o pescador ao profissionalizar necessita participar da COOPESCA - Associação de Pescadores, Aqüicultores e Agricultores Familiares de Santa, para que possa exercer a atividade legalmente.
Em Santa Helena, atualmente a Associação conta com 123 pescadores e está estabelecida no Bairro Baixada Amarela, na Rua Paraguai nº 307. O atual presidente da Associação é o Sr. Lírio Hoffmann eleito pelos associados. Relatou Lourdes que o pescador familiar ao estar em dia com a documentação de pesca recebe do Governo Federal no período da piracema (novembro a fevereiro) um salário mínimo mensal. Este auxílio recebe o nome de Defeso, que quer dizer proibido, vedado e impedido.
Os pescadores familiares são obrigados a suspenderem toda atividade pesqueira por força de Lei Federal. A proibição ocorre no Lago de Itaipu, bem como nos demais rios que pertencem a Bacia Hidrográfica Brasileira, pois os peixes estão na época da desova, o que permite a sobrevivência das espécies. Aos pescadores o dinheiro que recebem, um meio de passar o período que estão impedidos de pescar. Ainda de acordo com Lourdes, disse que cada pescador tem o direito de construir uma casa de até 25 metros quadrados na beira do Lago de Itaipu para guardar os pertences de pescaria e pernoitar no local.
Como profissionais da pesca, cada membro da família Zembruski possui um ponto de pesca que fica localizado atrás do Porto Internacional de Santa Helena e nesta localidade concentra-se 20 moradias de pescadores profissionais/artesanais do município. Além deste ponto de pesca, existem outros nas seguintes localidades, junto à Ponte sobre o Rio São Francisco Falso; nas Linhas: Guarani, Buricá, União (nesta localidade existem dois pontos de pesca) e em Vila Celeste. Lourdes salientou que o pescador ao aposentar deixa de receber do Governo Federal o salário “defeso”.
Depois de trabalhar por longos anos de pescadora artesanal/profissional, Lourdes conseguiu aposentar em 2007. Com o falecimento de Amélia Zembruski (2006), os herdeiros negociaram a área de terra na Linha União, cabendo a cada uma quantia em dinheiro. Com o dinheiro obtido da herança e mais algumas economias que possuía, Lourdes conseguiu da entrada numa residência através do Programa do Governo Federal, Minha Casa Minha Vida no Bairro Sol Nascente à Rua Guimarães Rosa S/N (próximo ao CCICA – antigo TIM). Atualmente reside com a Sra. Lourdes o filho André José Osvald.
Mensagem do professor João Rosa Correia à Sra. Lourdes:
“Entre as entrevistas que realizei nesta minha caminhada de pesquisador da história dos (as) santa-helenenses, tive a felicidade de encontrar mais uma pioneira deste nosso município. A história narrada pela Sra. Lourdes demonstra o quanto foi uma mulher, mãe, esposa de garra e coragem. Com estas virtudes soube contornar os obstáculos que a vida lhes apresentou nestes quase 60 anos que reside em Santa Helena. Portanto, sem sombra de dúvidas a história da família Zembruski tem contribuído para o enriquecimento deste município, em especial de Lourdes Osvald.”
Mensagem Lourdes:
“Estou muito feliz por saber que a história vivida pela família Zembruski e contada por mim ficará registrada nos diversos meios de comunicação. Assim permitirá a muitas pessoas conhecer aspectos históricos do início da colonização de Santa Helena. Por outro lado, tenho que agradecer de maneira especial ao professor João Rosa Correia por ter interessado por nossa história e com dedicação e empenho, registrou-a.”