Cotidiano
12.01.2010
E AGORA?
Escrevi recentemente, de forma hipotética, prevendo
as agruras que deve ter passado o jardineiro do interior de São Paulo que
ganhou R$ 72 milhões na Mega-Sena da Virada. Pesquisando um pouco sobre o
assunto, descobri que realmente foi um baque para seu Adolfo de 78 anos, senão
vejamos:
Os 27 mil habitantes de Santa Rita do Passa Quatro
começaram 2010 em clima de euforia. Afinal, os R$ 72 milhões ganhos por seu
Adolfo, um jardineiro aposentado de 78 anos, no sorteio da Mega-Sena de Ano
Novo, representam 146% de todo o orçamento da prefeitura para este ano, fixado
em R$ 49 milhões. "Se este dinheiro for aplicado na cidade pode trazer
muitos benefícios, gerar empregos, arrecadação, valorizar os imóveis",
prevê o vice-prefeito, Junior Aparecido Otaviano (PMDB).
Mas bastou menos de uma
semana para a euforia se transformar em preocupação e medo. As autoridades e a
população temem que a fama repentina atraia criminosos, interessados na fortuna
de seu Adolfo. A Polícia Militar teve de reforçar o policiamento para apaziguar
a cidade. "Pode virar um chamariz", admite Otaviano.
O tímido pelotão da Polícia Militar
ganhou o reforço de homens e automóveis. Segundo moradores, um helicóptero da
PM passou a ser visto na cidade depois do sorteio do dia 31 de dezembro.
"O policiamento foi reforçado, sim, mas o motivo não é a segurança do seu
Adolfo. Estamos nos precavendo pois não sabemos o que pode acontecer daqui para
a frente", diz o comandante da PM em Descalvado e Santa Rita, capitão Luiz
Sérgio Mussolini Filho.
Rumores
sobre a presença de pessoas “mal-encaradas” e tentativas de sequestro
proliferaram na cidade desde o anúncio do prêmio. "Isso já está mexendo
com a cidade. Outro dia a polícia foi acionada porque um homem mal-encarado
chegou a um bar perguntando sobre o seu Adolfo, pelo nome completo",
afirma a jornalista Patrícia Zamproino, de "O Santaritense",
principal jornal da cidade.
Sorte do ganhador
"Dinheiro
na mão é vendaval", "o dinheiro não traz felicidade" etc. É
longa a lista de clichês e frases feitas usados para descrever a sorte de seu
Adolfo. No domingo, três dias depois de conferir o bilhete premiado, ele foi
obrigado a pedir proteção à polícia. Dois, de seus mais de trinta netos,
tentaram roubar o Fusca 1961 amarelo do premiado. Os dois têm envolvimento com
drogas.
"Quando
nossa viatura chegou, eles fugiram para o mato, mas estamos de olho", diz
o capitão Mussolini.
Segundo
relatos de pessoas próximas à família, seu Adolfo ameaçou rasgar o bilhete,
amargurado pelos desentendimentos entre os 11 filhos por causa do dinheiro. Foi
dissuadido pelo filho Pedro, que guardou a aposta até o dia seguinte, quando
toda a família teria partido para Ribeirão Preto, fugindo do assédio e ameaças.
"Os
filhos do seu Adolfo são todos gente boa, trabalhadores, puxaram a ele. O problema
são alguns netos que se envolveram com drogas", conta um amigo da família.
Um exemplo
da paranoia que tomou conta da familia é o episódio protagonizado por um dos
genros do aposentado. Ele foi normalmente para o trabalho em um supermercado da
cidade, na segunda-feira, quando todos já sabiam quem era o premiado. Teve de
sair de lá com escolta da polícia.
Fuga de Santa Rita
Ninguém sabe
ao certo o destino de seu Adolfo e quem sabe não diz. Segundo pessoas próximas,
ele está recebendo amparo de amigos, advogados e até de um psicólogo. "A
ficha ainda não caiu", diz o jornalista Adilson de Freitas, para quem o
novo milionário trabalhou como jardineiro nos últimos 20 anos.
Segundo pessoas que tiveram contato
com ele depois do sorteio, seu Adolfo não consegue dimensionar o montante
recebido. Para alguns ele disse que agora pode contratar um bom plano de saúde
para a mulher, Ana, que fazia tratamento em Ribeirão Preto às custas da
prefeitura. Para outros afirmou que gostaria de comprar duas latas de tinta
para pintar o muro de sua casa no Jardim Nova Santa Rita. "Para você ter
uma idéia, ele me perguntou se o dinheiro dá para ele reformar o Fusca.
Respondi que agora ele pode ter todos os fuscas do Brasil", conta o
capitão Mussolini.
Um dos
rumores mais recorrentes na cidade é que ele teria oferecido R$ 5 milhões pela
Santa Urbana, uma fazenda de café centenária, onde foi criado. De
acordo com pessoas que acompanham seu Adolfo de perto, o negócio não passa
de boato. O mais provável é que ele divida o prêmio em partes iguais com os
filhos. "É um sonho que ele nunca escondeu", afirma Adilson de
Freitas.
Apostas
O jogo era o
passatempo preferido do sorteado. Durante décadas ele jogou regularmente em
quase todas as loterias oficiais. "Ele também não perdia um bingo. Este
prêmio saiu para uma pessoa que realmente tinha fé na sorte", diz dona
Vera, vizinha há 24 anos.
Terça-feira,
Adilson de Freitas encontrou em sua chácara dezenas de bilhetes de apostas de
seu Adolfo. "Ele guardava cópias não sei para quê."
As apostas eram
o luxo de seu Adolfo. Ele vivia das aposentadorias dele e da mulher. Ambos
ganhavam salário mínimo. O orçamento era reforçado com o trabalho de
jardineiro, que rendia R$ 150 por mês, e a venda de latinhas de alumínio,
muitas delas ainda amontoadas em um corredor.
O
vice-prefeito conta uma história exemplar, ouvida da boca do próprio seu
Adolfo, ocorrida na época em que ele ainda morava na fazenda Santa Urbana.
"Um homem que estava de visita na fazenda pediu para ele cinco frangos
caipiras. Ele respondeu que só criava os frangos. Se o homem quisesse, deveria
trazer um papel por escrito do proprietário da fazenda. O proprietário
consentiu, deu o papel, mas o visitante mudou o 5 para 15. Seu Adolfo deu os 15
frangos e depois ainda teve que ouvir uma reprimenda do patrão", relembra
Junior Otaviano.
"Ele costumava dizer que 'nóis é pobre mas nóis veve'. Tinha uma vida feliz na simplicidade. Na última vez que falamos, por telefone, ele me pareceu perturbado e chegou a perguntar: 'o que eu fiz para precisar de tanta segurança e não poder voltar para minha casa?'", diz Adilson de Freitas.
(com pesquisa IG)