Contando Histórias

21.11.2018

Célia Wentz é a entrevistada do mês pelo professor João Rosa Correia, em comemoração aos 50 anos da escola Graciliano Ramos

Em comemoração aos 50 anos da fundação da Escola Estadual Graciliano Ramos – Ensino Fundamental Séries Finais de Santa Helena, que ocorrerá no mês de março de 2019, estamos realizando entrevistas com personagens que trabalharam nesta escola: ex-diretores, professores/funcionários aposentados, como forma de homenageá-los pelos serviços prestados à mencionada instituição de ensino.

Responsável pelas entrevistas, Prof. João Rosa Correia.

Entrevistada:  Célia Helena Wentz – Agente 1

Na quinta-feira, 04 de outubro de 2018, entrevistei a Sra. Célia Helena Dietrich Wentz em sua residência à Rua Argentina 190, bairro Baixada Amarela, na cidade de Santa Helena. A entrevistada nasceu no município de Crissiumal/RS no dia 19 de outubro de 1944. Integrante de uma família de 8 irmãos, sendo quatro homens e quatro mulheres. Filha de Germano Alberto Dietrich e Elza Maria Dietrich, origem alemã e seguidores da fé católica.

No Rio Grande do Sul seus pais trabalhavam na agricultura em uma propriedade rural da própria família. Quando criança e jovem, Célia auxiliou os pais nos trabalhos do lar e na lavoura.

Passou a frequentar os bancos escolares com 9 anos de idade. Ao iniciar os estudos na primeira série (1ª) do “antigo primário (hoje ensino fundamental séries iniciais) já sabia ler e escrever com clareza. Segundo Célia, esses conhecimentos que seriam aprendidos no ambiente escolar foram obtidos em casa com o auxílio de seus tios (as) que não mediram esforços para ensiná-la. Acredita que por conta disso após três meses frequentando os bancos escolares em Crissiumal, o professor de sua turma propôs aos seus pais para que lhe permitisse conduzi-la ao segundo ano, pois a mesma apresentava condições para frequentar e acompanhar a aprendizagem daquele nível de ensino. O pai (Germano) concordou com a transferência da filha para a série seguinte, desde que no transcorrer do ano letivo o professor não viesse lhes dizer que Célia estava apresentando dificuldade na aprendizagem. Que pensasse muito bem naquela decisão, pois se isto ocorresse com sua filha, o professor usaria uma vara na tentativa de “educar” os alunos quando estes demonstravam rebeldia e desinteresse na aprendizagem, ele usaria duas varas com o objetivo de “abrir” a memória do educador na intenção de fazê-lo lembrar sempre que decisões desta natureza somente fizesse com muita cautela e serenidade para que o estudante não fosse prejudicado em sua trajetória educacional. A preocupação de Germano foi momentânea, porque Célia conseguiu acompanhar a aprendizagem dos conteúdos do segundo ano com naturalidade, com isso, obteve ótimas notas. Ao iniciar o 3º ano primário a instituição de ensino os conduziu ao 4º ano, porque continuava apresentando facilidade na aprendizagem escolar.

As acelerações das séries de ensino que conseguiu avançar, possibilitou que aos 12 anos de idade completasse o grau de escolaridade do “antigo primário – 1º ao 4º Ano” (hoje Ensino Fundamental Séries Iniciais). A partir deste momento deixou de frequentar os bancos escolares, pois onde sua família residiam não havia ensino subsequente ao que acabara de concluir. Em razão disso, continuou auxiliando os pais nos trabalhos do lar e lavoura. 

Aos vinte e um ano de idade casou-se com Elói Wentz. Logo após o casamento (1965) migraram de Crissiumal para São Miguelzinho (distrito de Santa Helena). Nesta localidade adquiriram uma posse de terra coberta de mata nativa. Região dominada por posseiros, jagunços e grileiros de áreas rurais.

Posseiro - aquele que invade e ocupa a coisa, mesmo não tendo direito a ela. 
Que ou quem está ilegitimamente de posse de uma terra, como se dono dela fosse, porém, cultiva o solo para dali retirar o sustento alimentício de sua família.

Jagunço - indivíduo que serve de guarda-costas a uma personalidade influente; capanga.

Grilagem - A grilagem de terras é um ato ilegal, fundado na tentativa de apossamento de terras alheias ou públicas mediante uso de falsas escrituras de propriedade. O termo se deve ao uso de grilos (insetos) para dar a aparência de envelhecimento aos documentos por conta dos dejetos dos insetos sobre o papel.

Relembra Célia que as pessoas que apossavam terras na região de São Miguelzinho naqueles idos tempos comentavam com sua família sobre os ataques que haviam sofridos pelos jagunços contratos por grileiros de terras. Porém, afirma Célia, que ela e família nunca foram incomodados por essas pessoas durante o tempo que residiram na citada região. No entanto, Célia soube de um ataque de jagunços no atual distrito de Moreninha e que destruíram diversas construções que pertenciam aos moradores daquela vila. Fato que motivou-a visitar o local. O que presenciou foi a destruição total do moinho de beneficiamento de farinha de milho e trigo que servia a comunidade, bem como de residências de muitos moradores da citada localidade. Comentou ainda que nas rodas de conversas que participava quando residia em São Miguelzinho era comum ouvir dos agricultores falarem que tiveram animais domésticos: gados, equinos, porcos e galinhas roubados/furtados por jagunços. Esses crimes coordenados pelos grileiros de terras por intermédio dos jagunços tinha como objetivos básicos: abastecer de alimentos essas gentes e por outro lado, intimidar os posseiros para que com isso abandonassem as terras apossadas. Quando isto ocorria, os grileiros conseguiam dominar livremente extensas áreas de terras, portanto, na inteira ilegitimidade. Tinha como única finalidade de negociá-las posteriormente lhes permitindo ganharem muito dinheiro ao vender as “propriedades” (frutos de grilos), porque tiveram que investir pouco dinheiro nessas áreas conquistadas ilegalmente. Retornando aos fatos da vida cotidiana de Célia, continuou relatando que, com muitos esforços conseguiram derrubar a vegetação da pequena propriedade adquirida em São Miguelzinho pelos quais passaram ocupá-la com criação de animais domésticos e lavouras.

O vilarejo citado que ora iniciava atraia muitos moradores com seus respectivos filhos, bem como famílias de agricultores que passavam a residir nas terras apossadas. Como não havia professor com formação específica para ministrar aulas às crianças da citada localidade a comunidade sabendo que Célia tinha conhecimentos básicos de matemática e português os convidaram para ser a professora de seus filhos. Aceitou o desafio de ser educadora. O contrato de trabalho ficou a cargo da Prefeitura Municipal de Santa Helena sendo representado pelo então Prefeito Arnaldo Weisseimer. Lecionou em São Miguelzinho por dois anos e meio. Na sequência venderam a posse de terra que ali possuíam e adquiriram outra na Linha São João (próxima à Linha São Brás – SH). Nesta localidade lecionou por mais dois anos.

Deixou de lecionar porque a Secretaria de Educação de Santa Helena, passou a exigir dos professores que lecionavam nas escolas do município a formação de docentes à nível de Ensino Médio – antigo Magistério. Para agilizar este processo a Secretaria de Educação Municipal implantou o sistema de ensino Logus (Magistério) na perspectiva destes educadores retornarem aos bancos escolares e que após 2 anos de estudos obtivessem o diploma de professor primário. Lembra Célia que as aulas do curso eram ministradas no Colégio Humberto Alencar Castelo Branco nas sextas-feiras à noite e no sábado o dia inteiro. Disse Célia que desistiu de estudar no referido curso em razão da dificuldade de deslocamento da Linha São João onde morava até a sede do município. Lembrando que a estrada que servia de ligação entre a Linha São João e à cidade de Santa Helena era de chão o que dificultava imensamente o ir e vir das pessoas, pois durante os períodos chuvosos formavam imensos lamaçais. Acrescenta a isso, a distância deste trajeto era de aproximadamente 25 quilômetros e os custos de viagem ficava sob a responsabilidade do estudante/professor. Além disso, nesta época Célia era mãe de 4 filhos pequenos, inclusive entre estes havia uma de 6 meses de idade que precisava ser amamentada diariamente. Como agravante do exposto, o responsáveis da secretária de educação municipal disseram a Célia que estava vedada a presença de crianças durante o transcorrer das aulas do citado curso. A saída foi desistir de estudar o Logus, encerrando assim, prematuramente, a carreira de professora do outrora ensino primário, mas disse que amava o trabalho que desenvolvia com os educandos. “Era muito prazeroso ensinar as crianças aprender ler e escrever”, recorda Célia.

Ao afastar da profissão de professora, Célia voltou a trabalhar na agricultura com o esposo Elói e filhos. Em fevereiro de 1986, o então Presidente do Brasil José Sarney lançou o Plano Cruzado que tinha como objetivo incentivar o povo brasileiro a emprestar dinheiro dos bancos a juros anuais baixíssimos no intuito de alavancar a produção na agropecuária, do setor industrial nacional e na incrementação do comércio varejista. Acreditando no Plano que parecia ser excelente negócio como foi alardeado pelo governo federal, a família de Célia emprestou dinheiro dos agentes financeiros, com isso adquiriram gado leiteiro e juntas de bois. Visava com esta decisão implementar ainda mais as atividades agropecuária que já desenvolviam na propriedade. Num primeiro momento acreditaram que iriam conseguir conquistar uma vida mais confortável e estável à toda família.

Diga-se de passagem, que este plano econômico sustentou por poucos meses do ano de 1986, o seu desmantelamento elevou rapidamente de forma substancial os juros do dinheiro emprestado o que desproporcionou radicalmente receita e despesas levando à falência financeira a família de Célia Wentz. Financeiramente falidos tiveram que vender a propriedade rural em São João para saldar as dívidas contraídas nos bancos. Com esta dolorosa derrota econômica imposta por um famigerado plano econômico, foram obrigados transferir residência para a cidade de Santa Helena em busca de um trabalho para sobreviverem.

Célia encontrou serviço de zeladora no Hotel Simione onde trabalhou por 11 meses e o esposo Elói conseguiu emprego na pedreira municipal, no entanto faleceu no ano de 1987. No início do referido ano letivo o então prefeito de Santa Helena Naudé Pedro Prates contratou Célia para trabalhar de merendeira na Escola Municipal Marechal Deodoro da Fonseca. No ano de 1988 Célia foi aprovada em um concurso público estadual para Serviços Gerais (atualmente a nomenclatura foi alterada para Agente1). A partir de então passou a exercer a profissão de zeladora e merendeira concursada na Escola Estadual Graciliano Ramos pelo qual trabalhou até 2005 quando conseguiu aposentadoria por tempo de serviço.

Disse que gostava de estar na escola, porque havia um ambiente que fazia sentir-se bem, pois havia um relacionamento amigável e respeitoso entre professores e demais funcionários da instituição de ensino. Sobre o convívio com os alunos, afirma que sentia gratificada ao distribuir diariamente alimentação que era preparados por ela e demais merendeiras da Escola Graciliano Ramos. Relembra ainda que auxiliava os educandos quando estes se machucavam no pátio da escola e recorria aos cuidados de Célia para que ela providenciasse curativo no local lesionado. Prontamente os atendia esfregando álcool misturado com ervas medicinais no local machucado. Era comum também os estudantes lhes dizer que estavam com dor de cabeça, outras vezes de estômago ou de intestino. Quando isto acontecia, imediatamente Célia preparava na cozinha da Escola chás caseiros que seriam oferecidos a estes estudantes na perspectiva de que melhorassem dos problemas que reclamavam. Entendia que com estas atitudes auxiliava os estudantes a permanecer na escola, o que certamente possibilitavam estarem com os conteúdos curricular em dia, além de fortalecer a aproximação e o respeito entre educandos e funcionários.

Sem medir esforços participou também como integrante ativa na diretoria da Associação de Pais, Mestres e Funcionários – APMF das escolas: Graciliano Ramos e Marechal Deodoro da Fonseca quando seus filhos estudaram nas referidas instituições de ensino. Paralelamente aos afazeres de casa e escola, Célia auxiliava os trabalhos de evangelização da Igreja Católica Santo Antônio pelo qual coordenava estudos bíblicos com grupos de fiéis, bem como, realizava culto familiares. Também ocupou cargo de tesoureira na diretoria da referida Igreja e ainda ministrava aulas de catequese à crianças e adolescentes, trabalho que exerceu durante 15 anos consecutivos. No dizer de Célia, esses trabalhos eram muitos legais de serem desenvolvidos porque permitia levar palavras de fé espiritual aos participantes, concomitante a isso, contribuía para ampliar os laços de amizade, cooperação e solidariedade frente para com a comunidade santa-helenense.

Há anos Célia professa a fé religiosa na Igreja Adventista, localizada à Rua Paraguai centro de Santa Helena. Nesta Congregação Evangélica, além de frequentar os cultos religiosos colabora com os responsáveis da Igreja nos seguintes seguimentos de evangelização: coordenando estudos bíblicos, na diretoria da ADRA – que tem como prerrogativa visitar santa-helenenses que estejam passando por necessidades materiais. De posse dos levantamentos realizados pelos integrantes da ADRA, recolhem e repassam aos necessitados roupas, agasalhos e calçados. Para além disso, as visitas também tem como finalidade detectar doentes que estejam desassistidos de tratamentos médicos. Quando isto é observado a família é orientada de como devem proceder para que possam conseguir atendimento hospitalar com brevidade e assim livrar o enfermo de continuar sofrendo com suas enfermidades. Destacou que coordena também os recepcionistas que acolhem aqueles que procuram a Igreja. Na condição de diaconesa é de sua responsabilidade inteirar-se das necessidades diárias da Igreja, zelar também pelo desligamento do registro de água, luz após o término dos cultos. Vê-se assim que Célia continua muito atuante na vida social junto à comunidade do Bairro Baixada Amarela onde reside.

Mensagem:

A história de uma sociedade é construída mediante contribuição de todos seus integrantes, independentemente das condições sociais, políticas, econômicas que nela esteja inserida. Portanto, tenha certeza Sra. Célia Wentz que as lutas travadas por você ao longo de sua existência, como ficou demonstrada no transcorrer desta entrevista faz parte do contexto histórico de Santa Helena. Prof. João




















João Rosa Correia