O Andarilho

07.03.2012

CAPADÓCIA - TURQUIA

O dia começa cedo na Capadócia, pelo menos para quem trabalha com voos de balões de ar quente. Eu ainda estava sonhando algo, que nem me lembro mais, quando Andrew Parker, piloto neozelandês, bateu na minha porta as cinco da madrugada. Hora de trabalhar Mr. Walker!

 

O tempo havia melhorado um pouco mas ainda estava longe de ser um dia perfeito para voar sobre a famosa região da Capadócia mas, o show não podia parar. Andrew no dia anterior havia se oferecido para me levar e acompanhar todo o processo do voo e fazer parte da sua equipe de apoio. Mesmo tendo que acordar cedo, aceitei com grande alegria a oferta e fomos encontrar meus novos colegas de trabalho que já estavam todos lá, bebendo café e fumando o primeiro cigarro do dia.

 

O tempo estava ainda instável. Uma densa neblina movia-se ao redor e os clientes japoneses já haviam chegado. Hora para ver novamente a previsão do tempo e decidir o que fazer. Andrew e seus colegas soltam um pequeno balão de gás para ver a direção do vento. Pergunto a ele, que já morou no Brasil, se o nosso famoso padre usou dos mesmos tipos de balões na sua frustrada tentativa de voar. Andrew abre um grande sorriso e diz: “Provavelmente sim”. Trágico mas engraçado.

 

Como as outras companhias que voam pela região já estavam enchendo seus gigantescos balões e preparando-se para voar, vamos também para o campo de lançamento e começamos a preparar o nosso balão. Dezenas deles já estavam colorindo o céu quando finalmente Andrew dá ordens para soltá-lo e lá se vai ele com o cesto cheio de japoneses tirando fotos para todos os lados.

 

Recolhemos os imensos ventiladores usados para inflar o balão e partimos rapidamente com o jipe para segui-lo e encontrá-lo para o pouso que ninguém sabia ainda onde iria ser pois isso dependeria da intensidade e direção do vento. Seguimos por várias estradas sempre tentando visualizá-lo mas às vezes perdia-se entre os outros ou na espessa neblina que começava a tomar conta da região inteira. Era como uma caça e me sentia como no filme “Twister”. Um dia de aventura para mim.

 

Entramos em uma pequena cidade e começamos a procurá-lo em estreitas ruas cobertas por neve e lama para tentar ajudar no pouso. Encontramos Andrew e seu balão pousado já no meio da cidade, na beira de um barranco de cerca de 5 metros de altura. “Um pouso de mestre!” disse eu assim que o encontrei. Um metro a mais e teríamos japoneses espalhados para todos os lados.

 

Mas a semana não foi apenas de balonismo. Teve muito mais e nem sei bem por onde começar. Provei um pouco da hospitalidade turca na casa de Behçet Şen, que é uma dessas pessoas que fazem qualquer viagem valer a pena. Professor de história aposentado, 61 anos, divorciado, ateu e comunista. Motivos suficientes para ser infeliz? Não mesmo. Uma pessoa muito ativa e cheia de vida. Mantêm-se ocupado com seus amigos e com sua nova paixão, o Facebook. Faz parte também do site Couch Surfing e hospeda gratuitamente de vez em quando viajantes assim como eu. Uma ótima maneira de conhecer pessoas novas e sair um pouco da rotina. Apesar de não falar muito inglês, com a ajuda do Google Translate, demos muitas risadas e assistimos muitos vídeos de música no Youtube. Sua imitação do ator Clark Gable é impagável!

 

A cidade onde vive, Konya, é famosa pelo grande filósofo Jalal ad-Din Muḥammad Rumi ou simplesmente Mevlana, que deu origem ao sufismo, uma escola filosófica dentro do Islã. Todos os sábados é possível assistir a uma cerimônia religiosa na qual homens giram em torno de si mesmos por longos períodos enquanto músicos tocam vários instrumentos tradicionais criando uma música intensa que favorece o transe, principal objetivo da cerimônia. O transe é, segundo eles, um momento de contato com Deus no qual o pensamento desaparece e experimentam assim uma sensação de paz semelhante as práticas budistas e hindus. A música é realmente hipnótica e você não sabe se fica apenas aproveitando o momento ou se tira fotos. Um constante dilema na vida de qualquer fotógrafo.

 

Já ouvi muitas histórias de outros viajantes sobre falsos policiais que interceptam estrangeiros nas ruas para extorquir dinheiro mas isso nunca havia acontecido comigo. Sorte também tem limites, não é? Bem, às vezes não. Dois homens me abordaram no centro de Konya apresentando uma identidade onde podia-se ler claramente em letras garrafais a palavra POLICE, já em inglês para facilitar o golpe. “Ah, não!” pensei eu. “Esse golpe barato para cima de mim não!” “Você fala inglês?” “Não”, respondi ao bigodudo. “Where are you from?” “Brazil? ...humm... Ok, you can go!” E se despediram dizendo: “Tenha um bom dia!” “Brazil”, pensei eu, esse nome tem poder!

 

Até semana que vem, Insh´Allah.



Balões que já fazem parte da paisagem na Capadócia.


Behçet Şen, professor de história aposentado, ateu e comunista.


Cerimônia Sufista na cidade de Konya.

Edson Walker