Religião

24.01.2014

CAIR DO CAVALO

A vida é feita de momentos, lembranças do passado, recordações. Pouco à pouco elas vão configurando a nossa história; dos instantes mais triviais e indiferentes até as grandes decisões. Palavras, encontros, pensamentos. Tempo conquistado e tempo perdido. Êxitos e fracassos. Tudo vai construindo o quadro da nossa vida e da nossa personalidade.

No entanto, nem tudo nos define com a mesma força. Existem momentos que mudam a nossa história e nos transformam de uma maneira única. Da tudo certo para que as coisas aconteçam. “Algumas coisas coincidem” e temos como resultado a mudança inesperada. Eu gosto de chamá-los de momentos de impacto. Impacto: choque, marca, sinal, consequências. Estes momentos de impacto vão construindo nossa vida pessoal até que cheguemos a ser o que realmente somos no dia de hoje. Impactos de todos os tipos: decisões sob pressão, reuniões, acidentes, doenças, brigas, sucessos, fracassos e até mesmo tombos de cavalo. Foi justo um tombo de cavalo o impacto que teve Paulo de Tarso e este tombo mudou para sempre a sua vida. Lembramos este fato todos os anos no dia 25 de janeiro.



Paulo se converteu porque viu o Senhor. Entre a dor do golpe e sua cegueira milagrosa, ele percebeu que ele devia fazer novas escolhas. Paulo se converteu, mas em quem ele se converteu? Ele não era já considerado um homem justo aos olhos da lei? Paulo era um fariseu irrepreensível. Cumpria a lei ao pé da letra. Conhecia muito bem a Torá. Mas ele entendeu que isso não era suficiente. Mais tarde, ele explicará assim: “A letra mata, mas o Espírito vivifica” (2 Cor 3,6).

Em quem Paulo se converteu, então? Em apóstolo de Cristo. Paulo tornou-se propriedade de Deus. Agora ele passava a ser de Cristo e não mais da lei. A nova regra da sua vida seria o Espírito e a lei do amor.

Concretizando: a conversão é um momento de impacto. Na verdade ela não produz uma mudança em si, mas marca o início de um novo caminho, um novo rumo na vida. Deparamo-nos agora com uma nova pergunta: Como faço para saber se estou realmente me convertendo ou apenas estou sendo cumpridor fiel da lei, das normas cristãs, dos métodos da vida espiritual ou devoções e tradições sem um Espírito? Muito simples. Eu ofereço algumas idéias
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1) Eu sou Deus:Guarda silêncio e ouve, ó Israel. Hoje te tornaste o povo do Senhor, teu Deus”. (Dt 27, 9). Temos que aprender a ouvir a Deus e ficar quieto enquanto o fazemos. Ao ouvir com o coração, percebemos a verdade fundamental da nossa condição de criaturas: nós não nos pertencemos. Na verdade, nós não levamos as rédeas das nossas vidas. Nós pertencemos a Deus e isso significa que somos chamados para estar com Ele. Não seremos verdadeiramente felizes até que aceitemos com fé no fundo do nosso coração que d’Ele viemos e a ele voltamos. É isso o que dá sentido as nossas lutas diárias na estrada da vida. A verdadeira conversão começará o dia em que nós reconheçamos a Deus como princípio e fim de nossas vidas, razão pelo qual realizamos tudo o que realizamos. O segredo é estar atentos para descobrir a Deus, já que muitas vezes Ele se esconde atrás dos momentos de impacto.




3) Evidência: a conversão requer perseverança, constância na resposta. Renovar diariamente a consciência de que sou propriedade de Deus e por isso respondo que sim e que quero lhe seguir. A conversão em si não é um momento de impacto. Parte de um momento do impacto que é o encontro e a resposta, mas não para por aí. Os atos que fluem a partir desse momento são aqueles que irão verificar a autenticidade da conversão. Digamos que, se Deus é o escultor e nós somos a sua obra, a constância é o abrir a porta diariamente para deixar que Ele entre no meu coração e possa trabalhar com liberdade.

4) Espera: “Os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos”(Is 55, 8). Às vezes Deus demora em agir. O atraso de Deus não é uma negação. Deus é um professor e nos leva por caminhos que não esperamos. Isso faz com que a conversão seja mais autêntica. Seguindo a idéia dos momentos de impacto, o tempo de espera de Deus é exatamente o oposto. São todos aqueles momentos diários que não afetam e travam o quadro das nossas vidas. Eles nos transformam no que somos. Deus trabalha no silêncio e na simplicidade e é exatamente aí que o nosso coração é transformado no coração de Jesus.

Se seguimos estes simples passos, provavelmente estaremos prontos para descobrir a Deus que está por atrás dos momentos de impacto. Como Paulo no caminho de Damasco, o nosso caminho vai tomar um novo rumo. A mudança será para melhor, e podemos ter certeza de que a conversão é genuína e autêntica. E não é porque estamos seguindo alguns passos, mas porque estamos permitindo que Deus nos transforme.

Ricardo Pioner, L.C.