O Andarilho
05.04.2012
2ª COLUNA DA GEORGIA
Gaumarjos! Gaumarjos! E lá se vai mais uma dose de chacha, (pronuncia-se tcha-tcha) bebida destilada com a polpa que resta na fabricação de vinho. Alguém levanta-se e propõe um novo brinde: “Este brinde é para as mulheres. Para nossas mães. Para as mães das nossas mães. Para nossas esposas. Para nossas futuras esposas. Para nossas filhas. Futuras filhas, futuras namoradas”. Quando você pensa que já acabou, o orador, cada vez mais emotivo, lembra-se de outras mulheres e as inclui no brinde. Beber torna-se algo tão burocrático, mas engraçado. E o próximo brinde vai para todas as pessoas que não estão mais presente. Outro vai para os homens. Depois todas as religiões. Ou seja, difícil restar alguém sóbrio no final. Gaumarjos! Gaumarjos!
Já me perguntaram se a Geórgia é perigosa. Se for eu ainda não sei mas sei apenas que para o fígado, ela parece ser fatal. Hoje, por exemplo, pela primeira vez, tenho que escrever essa coluna enfrentando uma horrível ressaca. Tudo começou com apenas um drink de despedida do meu amigo ciclista suíço Joan que está indo para a China. Sentamos na sala de recepção do albergue onde na TV estava passando uma novela mexicana com dublagem na língua local. Tudo corria bem até que, após alguns minutos, a simpática proprietária nos presenteou com mais uma garrafa de chacha. Novela vai, novela vem, e tudo parecia estar indo muito bem. Já tarde da noite chegam 2 casais de poloneses e os convidamos para beber conosco. Sem esboçar qualquer dúvida, sentam ao redor da mesa e Irina, a proprietária, nos presenteia com mais chacha. Cha-cha-cha! Às 4h30 da manhã, ouvindo músicas do compositor polonês Chopin, finalmente acaba tudo e vamos dormir. O dia seguinte seria horrível com certeza.
Mas nem tudo é chacha aqui na Geórgia. Tem também histórias de reencontro, viagens de bicicleta, carona em ônibus de excursão, pic-nic com churrasco, violão e fogueira. Estou já há 1 semana aqui e ainda não tive tempo para parar quieto. Todo dia acontece algo, conheço alguém diferente, uma nova proposta de aventura aparece. A capital é muito bonita, limpa e moderna mas as vezes lembra também a antiga União Soviética: antiga e abandonada. Carros Ladas dividem o tráfego com modernos carros americanos. Nas praças, densas esculturas que lembram o passado socialista, contrastam com mulheres elegantemente vestidas com roupas de famosas marcas ocidentais. A comida é baseada em derivados de pão e o mais próximo do Brasil que você pode chegar é um pastel de carne que é possível encontrar em algumas lanchonetes.
Nada é por acaso, diz meu amigo Joan, após me encontrar por acidente no meu segundo dia na capital Tbilisi. Estava andando à procura de um lugar para comer e de repente ouço meu nome. Surpreso, olho para cima e está lá, sorrindo como sempre, meu amigo suíço que conheci na Turquia. Feliz, me convida logo para subir no segundo andar do restaurante onde reencontro também o casal de ciclistas suíços que conheci há duas semanas atrás. Estão terminando o jantar com Alex, um georgiano exportador de vinho que os convidou. Estamos todos felizes com o reencontro e Alex já vai pedindo mais comida. Muita comida! Muito mais do que eu poderia comer durante um dia inteiro. Estilo local de mostrar hospitalidade: fartura e generosidade. No final das refeições tem que sobrar sempre muita comida em cima da mesa.
Após o banquete, caminhamos conversando animadamente pelas ruas da cidade. Escutamos uma banda tocando rock em um bar e estamos tão felizes que é impossível resistir. Entramos para celebrar o reencontro que acaba, mais uma vez, com chacha. Difícil mesmo evitá-la por aqui.
No dia seguinte nos encontramos com outra suíça que mora aqui que nos convida para um passeio de bicicleta de dois dias para visitar um antigo monastério na fronteira com o Azerbaijão. Na manhã seguinte envia-me um e-mail dizendo: “Consegui uma bicicleta para você”. Pronto, agora não tenho mais nenhuma desculpa e no sábado pela manhã saímos empolgados para uma aventura de 100kms entre paisagens lindíssimas com montanhas cobertas por ovelhas, vacas e cavalos. Acampamos durante a noite no alto de uma montanha com uma vista fantástica. Ventava e fazia muito frio e nos refugiamos dentro de uma das barracas ao redor do fogareiro enquanto preparávamos o jantar. Quando a gente viaja de bicicleta, qualquer jantar, pois mais simples que seja, é o melhor do mundo. Esta até agora foi a única noite que não acabou em chacha.
No dia seguinte chegamos a um monastério lindíssimo construído num vale com várias cavernas que antes da ocupação russa chegaram a ocupar cerca de 10.000 monges da igreja ortodoxa. Subimos no alto da montanha e no outro lado, um vale gigantesco de puro deserto do país vizinho Azerbaijão. Como já estava ficando tarde, pedimos carona para um grupo de estudantes que estavam fazendo uma excursão. No caminho paramos para um pic-nic com churrasco, muita comida, vodca, vinho, fogueira e violão. Eles estavam tão felizes com a nossa presença e nos trataram como convidados de honra. Mais uma vez, os que se mostram genuinamente generosos, acabam recebendo muito mais em troca do que aqueles que são ajudados.
Abraços e até a semana que vem.
Paisagens de “tirar o fôlego”.
Monastério David Gareja na fronteira com o Azerbaijão.
Excursão de estudantes de Tbilisi.