Internacionais | Armas nucleares
Terça-feira, 03 de Setembro de 2024
Usar armas nucleares não interessa à Rússia
Se empregadas contra a Ucrânia, o vento poderia levar a radiação para o território russo; e o regime dificilmente sobreviveria à reação a um ataque a um país da Otan, seja convencional ou nuclear
Especialistas americanos acreditam ter identificado, por meio de imagens de satélite, instalações de lançamento do míssil de propulsão nuclear russo Burevestnik, 475 km ao norte de Moscou. O achado coincide com um anúncio do vice-ministro da Defesa, Sergei Ryabkov, de revisão das diretrizes sobre o emprego de armas nucleares, diante do que o Kremlin considera a escalada ocidental contra a Rússia.
O Burevestnik, que significa Petrel, nome de uma ave marinha, tem um alcance em tese ilimitado, graças ao combustível nuclear. Ele poderia realizar trajetórias para escapar de todos os sistemas de defesa americanos, por exemplo atacando pelo Sul dos Estados Unidos, e não pelo Norte, onde estão concentradas as baterias antimísseis. Isso porque a rota esperada dos mísseis intercontinentais partindo da Rússia e da China seria o Pólo Norte, o caminho mais curto para os Estados Unidos.
Entretanto, dos 13 testes realizados desde 2016, apenas dois foram parcialmente bem-sucedidos, segundo a Nuclear Threat Initiative (NTI), de armas nucleares. Ocorreram nos testes vazamentos e outros problemas, que levaram o míssil a ser apelidado “Chernobyl voador”. O presidente Vladimir Putin prefere chamá-lo de “invencível”.
O desenvolvimento desse míssil, junto com outros cinco sistemas de armas avançados, foi anunciado durante a campanha de Putin à reeleição de 2018. O governo russo promoveu até concursos populares para batizar os seis novos sistemas, de modo a alcançar o máximo de publicidade. Entre eles se inclui o torpedo submarino Poseidon (nome grego do deus do mar), que seria capaz de causar um “tsunami”.
Até onde se sabe, dos seis sistemas, apenas dois foram empregados: o míssil ar-terra Kinzhal e o míssil anti-navio Zircon, ambos hipersônicos, ou seja, que atingem altas velocidades.
A doutrina nuclear em vigor, decretada por Putin em 2020, prevê que a Rússia pode recorrer a seu arsenal nuclear apenas em caso de ser atacada por esse tipo de armas, ou se for alvo de um ataque convencional que ameace a existência do Estado russo.
Na retórica, Putin já reviu a doutrina, ao fazer repetidas ameaças de empregar armas nucleares, na ausência dessas duas condições. O objetivo, no entanto, é causar ansiedade na opinião pública ocidental e desencorajar os governos democráticos, suscetíveis aos humores dos eleitores, de ajudar a Ucrânia.
Na realidade, não interessaria à Rússia usar armas nucleares. Se as usasse contra a Ucrânia, correria o risco de o vento levar a radiação para o próprio território russo. Se atacasse os países da Otan, fosse com armas convencionais ou nucleares, atrairia uma guerra total à qual dificilmente o regime russo sobreviveria.
O próprio efeito dissuasório do arsenal nuclear russo tem enfraquecido com as reiteradas ameaças de Putin. Armas nucleares são para ter, não para ameaçar usar. A cada ameaça não cumprida diminui a credibilidade da ameaça. Mas, diante de seu efeito devastador, a cogitação de seu uso amedronta as pessoas comuns. E isso, para Putin, já é um ganho.
CNN