Internacionais | Guerra da Bósnia

Quarta-feira, 12 de Novembro de 2025

Safári Humano

Segundo jornal 'La Repubblica', cidadãos italianos pagavam o equivalente a até R$ 610 mil a militares sérvio-bósnios para passar um fim de semana nas colinas ao redor da cidade atirando em alvos durante cerco à capital da Bósnia e Herzegovina, entre 1992 e 1996.

O Ministério Público da cidade de Milão, na Itália, abriu uma investigação para apurar a atuação de cidadãos italianos em "safáris humanos" durante o cerco à cidade de Sarajevo, um dos episódios mais sangrentos da Guerra da Bósnia, nos anos 1990.

Segundo a denúncia, os "turistas de guerra" chegavam a pagar uma quantia que equivaleria a entre 80 mil e 100 mil euros em valores atuais (entre R$ 490 mil e R$ 610 mil) às milícias sérvio-bósnias e a intermediários para serem armados com fuzis e posicionados nas colinas ao redor da cidade.

Ainda de acordo com a denúncia, eles eram autorizados a atirar em alvos da capital bósnia, incluindo crianças e outros civis. O esquema, que incluía saídas de "excursões" às sextas-feiras da cidade italiana de Trieste, a 600 km de Sarajevo, teria existido entre 1993 e 1995.

Segundo uma reportagem publicada pelo jornal italiano "La Repubblica", o Ministério Público de Milão irá começar a convocar testemunhas para interrogatório.

A reportagem diz que a polícia conta com uma lista de colaboradores, incluindo um ex-oficial da inteligência bósnia que interrogou prisioneiros de guerra sérvios durante o conflito.

O caso foi aberto após uma investigação do repórter e escritor italiano Ezio Gavazzeni, que concedeu uma entrevista ao "La Repubblica" contando que havia ouvido relatos do safári humano ainda nos anos 1990. Ele voltou a se debruçar sobre o assunto após o lançamento de um documentário esloveno sobre o tema, "Sarajevo Safari", em 2023.

Os eventuais suspeitos podem ser indiciados por homicídio doloso agravado por crueldade e motivo torpe. Boa parte dos mortos eram civis que, num ato de desespero, se arriscavam saindo de suas casas para buscar alimentos, remédios e outros mantimentos enquanto os acessos da cidade estavam bloqueados.

Estima-se que cerca de 13 mil militares foram posicionados ao redor de Sarajevo. Franco-atiradores eram conhecidos por atirar indiscriminadamente em alvos civis, incluindo mulheres e crianças. Cálculos da Unicef indicam que 65 mil das 80 mil crianças da cidade, ou 40% da população infantil, foi alvejada diretamente por snipers.

Segundo números oficiais, 5.434 civis foram mortos em Sarajevo durante o cerco, sento 3.855 bosníacos, 1.097 sérvios e 482 sérvio-croatas. Dos mortos, cerca de 1.500 eram crianças. Outras 15 mil ficaram feridas nos combates.

O conflito, um dos mais sangrentos da Europa após a Segunda Guerra Mundial, ficou marcado pela limpeza étnica, por crimes de guerra e contra a humanidade, como estupros em massa de mulheres, e por episódios classificados como genocídio, como o massacre de Srebrenica.

A ONU interveio no conflito, enviando capacetes azuis e realizando uma ponte aérea para a entrega de suprimentos em Sarajevo.

A guerra terminou com os acordos de Dayton, assinados em novembro de 1995. Atos de hostilidade continuaram ocorrendo até a estabilização total da situação e a saída definitiva das tropas sérvio-bósnias de suas posições, em fevereiro do ano seguinte.

Fonte G1