Brasil | Mina de urânio

Domingo, 23 de Novembro de 2025

Resíduo radioativo trava desmonte de 1ª mina de urânio do Brasil, fechada há 30 anos

Material gerado em antiga usina de SP foi levado a Caldas (MG) nos anos 1990. Autorizada este ano a fechar a unidade, INB busca solução para a chamada Torta II.

Fechada desde 1995, a primeira mina de urânio do Brasil precisa resolver um grande desafio ambiental antes de ser desmontada.

A unidade da INB - Indústrias Nucleares do Brasil em Caldas (MG) produziu, nos anos 1980, 1,5 mil toneladas de concentrado de urânio que abasteceu a usina de Angra I e ajudou a alavancar o programa nuclear brasileiro. Três décadas após o fim das operações, a área ainda precisa ser recuperada, mas, antes, a estatal terá de dar destino a milhares de toneladas de resíduos radioativos armazenadas em galpões e no seu subsolo.

Em janeiro deste ano, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu à INB a primeira licença ambiental para iniciar o descomissionamento da mina.

 A exploração de urânio é monopólio da União, e a INB é a única empresa autorizada a extrair e processar o minério no Brasil.

Ao final da vida útil, uma mina deve passar pelo descomissionamento, processo de desativação e desmantelamento, para mitigar impactos ambientais e recuperar a área para outros usos.

 A única mina de urânio em operação no Brasil está em Caetité (BA).

O avanço do processo, no entanto, depende da definição sobre o destino de 11.334 toneladas de Torta II, resíduo radioativo resultante do tratamento químico da monazita para a retirada de terras raras, na antiga Nuclemon, em São Paulo, entre os anos 1950 e 1980, e que foi enviado para Caldas em meados dos anos 1990.

"Trata-se de um concentrado com 50% de tório e cerca de 1% de urânio que é passível de aproveitamento, caso haja interesse do governo brasileiro", explica o tecnologista Alexandre Oliveira, da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN).

Segundo a INB, são estudadas alternativas para a Torta II, como a venda ou envio para instalações licenciadas. Especialistas dizem que os rejeitos da produção nuclear são problema no mundo todo

Motivo de apreensão

O armazenamento da Torta II sempre foi motivo de apreensão no município de Caldas. A mina, que fica em uma área de 18 km², localizada a 12 km do centro urbano, está cercada por rios e córregos e ao lado de uma Área de Proteção Ambiental (APA).

"O que mais incomoda é ter, há décadas, essa guilhotina em cima das nossas cabeças, que sequer é um passivo nosso, pois foi trazido de outro local e que aumentou muito o risco, porque toda a característica da mineração de urânio tem um DNA e esse passivo ambiental que chegou tem outro DNA, e a gente não estava preparado", afirma o ambientalista Daniel Tygel, da Aliança em Prol da APA da Pedra Branca.

A Prefeitura de Caldas diz que a INB tem cumprido todos os compromissos estabelecidos com o município. As condições atuais de armazenamento da Torta II são consideradas adequadas pela ANSN.

Conforme o órgão, o material está estocado em área controlada com proteção radiológica. O material está em 19,6 mil tambores de 200 litros, em uma quantidade semelhante de bombonas de 100 litros e em quatro silos cobertos, que são estruturas de concreto semienterradas.

Os recipientes não estão totalmente preenchidos e, nos últimos anos, passaram por reforços da sua segurança. Os tambores, que apresentavam sinais de deterioração, foram sobre-embalados. Os galpões passaram por manutenção, com a troca de telhado e a substituição dos pallets de madeira por outros de metal.

Em 2021, a INB chegou a cogitar transferir para Caldas mais 1.179 toneladas de Torta II da unidade de Interlagos, em São Paulo. Mas após comoção popular e política, a transferência não aconteceu.

Problema é mundial

Segundo a professora do Departamento de Química da UFMG Nelcy Della Santina Mohallem, o Brasil não possui um espaço para a destinação adequada de resíduos radioativos.

"A Torta II foi levada para Caldas porque não havia lugar para colocá-la. A gente tem ainda o lixo das usinas nucleares, que tem de ter um destino. Desde 1982 isso está sendo estudado", afirmou.

O problema não é exclusivo do país. Nações por todo mundo têm buscado solucionar o armazenamento de rejeitos radioativos. De acordo com a professora Nelcy, na Alemanha e em outros países, há o estudo de construção de depósitos geológicos profundos para o descarte dos resíduos. O governo alemão espera encontrar um local até 2031.

A Finlândia foi a primeira a criar um depósito nuclear permanente de longo prazo do mundo, a 400 metros de profundidade no leito granítico do litoral oeste.

Nos Estados Unidos, mais de 90 mil toneladas de lixo nuclear estão espalhadas por centenas de locais. Em 1987, uma lei federal apontou Yucca Mountain, em Nevada, como local permanente para o descarte, mas disputas políticas e jurídicas barraram o projeto. A questão foi parar na Suprema Corte, ainda sem resolução.

G1