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Domingo, 12 de Maio de 2024

Mãe e técnica, Jéssica de Lima traça paralelo entre funções: “É um verdadeiro cuidar, educar”

Há quase dois anos, a vida Jéssica de Lima mudou. A chegada da pequena Luísa em julho de 2022 transformou o dia a dia da técnica da Ferroviária em casa e também no clube. Com a filha, a treinadora aprendeu que as coisas podem ser mais leves, mas sem deixar de lado o comprometimento com o bem da equipe em campo e da família.

- Quando você é mãe, quando é treinadora, não é mais sobre você. Você não consegue mais ser ação direta das ações da sua vida. Você perde controle total. A partir do momento que essas meninas entram em campo, não tenho mais controle. Às vezes nem quero ter também, mas não tem aquele controle igual no treino, que você para, repete. A minha filha também. Eu falo não para ela e ela faz exatamente o que não era para ser feito (risos). Isso está desconstruindo uma Jéssica que teve uma educação totalmente diferente, autoritária, uma educação que resolvia muitas vezes na base da violência. E é o que não quero para as meninas e o que não quero para minha filha – destacou a treinadora, que comemora seu segundo Dia das Mães neste domingo.

Aos 42 anos, e na Ferroviária desde 2022, Jéssica é a única mãe entre as quatro mulheres técnicas dos 16 times da elite do Campeonato Brasileiro Feminino. A filha nasceu no primeiro ano dela como treinadora das Guerreiras Grenás.

A gestação foi de sua esposa, Milene Souza, por meio de fertilização in vitro (FIV). Mesmo assim, Jéssica também se dividiu entre as fases da maternidade e o trabalho, processo considerado positivo para ela diante das condições oferecidas pelo clube.

- Fico feliz por ser mãe, mas não fico tão feliz por ser a única mãe. Acho que a gente tem que romper muitas barreiras ainda para fazer com que alguns lugares sejam como a Ferroviária, em que a gente pode ter uma liberdade de ser mãe, posso trazer minha filha para treino, como trouxe várias vezes, posso levar até em viagem se precisar. Sei que não é em qualquer lugar que tem essa liberdade. Isso talvez seja um entrave para que as mulheres que querem traçar o caminho profissional acabem tendo que se decidir. Às vezes, pela tendência, por uma questão financeira, acaba optando por uma carreira profissional.

Jéssica mãe x Jéssica técnica

Para Jéssica, as duas funções têm muitas singularidades e podem ser comparadas no dia a dia. Assim como ela é desafiada no relacionamento com a pequena Luísa, também passa pelo mesmo processo com as jogadoras da Ferroviária.

- Ser mãe e ser treinadora, para mim, têm muitas singularidades, quase na totalidade. É um verdadeiro cuidar, educar, cobrar. A Luísa me desafia diariamente. As meninas me desafiam diariamente. Tem hora que estou cansada como mãe, tem hora que estou cansada como treinadora. Tem hora que estou extremamente feliz com uma ação que uma atleta faz dentro do campo, com a equipe, tem hora que fico feliz quando minha filha fala uma palavra diferente. Tem hora que estou cansada, irritada, e minha filha faz com que eu tenha paciência, assim como as meninas também me ensinam a ter paciência - refletiu.

O primeiro ano de desenvolvimento da Luísa foi justamente um dos mais especiais da carreira de Jéssica no futebol. Em 2023, quando a filha começou a dar os primeiros passos e a falar as primeiras palavras, a mãe chegava à primeira final do Brasileiro como técnica - a quinta na carreira, sendo quatro como jogadora -, e conquistava o primeiro troféu pela Ferroviária: a Copa Paulista.

- Esses dois lugares de ser mãe e treinadora, para mim, são muito parecidos. O mesmo empenho que coloco como treinadora, coloco como mãe, de verdade. É um lugar que me fez crescer, coincidentemente no mesmo ano [das finais], da mesma maneira. O que cresci como treinadora e o que cresci como mãe, talvez nesses mais de 40 anos de vida não tinha crescido tanto. Eu fico muito feliz hoje por ser mãe e ser treinadora de futebol, porque tem essa possibilidade de passar essa mensagem, até para as próprias jogadoras que estão aqui, de ser mãe, e até mesmo parar a carreira por um ano para ser mãe e voltar. Não vejo problema nenhum, como tem vários casos de atletas – disse Jéssica.

A temporada de 2023, inclusive, é considerada desafiadora para Jéssica, pois a maratona de jogos foi intensa no Brasileiro e no Paulista, com viagens, jogos em sequência e reuniões, além da adaptação com o primeiro ano de vida de Luísa. Mais experiente agora, a técnica acredita que saberá como se dividir bem entre as funções daqui para frente.

- Quando estava com uma bateria de jogos bem intensa, eu lembro de chegar em casa e ficar em celular, atrás do trabalho, cuidando da minha filha. Foi uma construção que tive comigo mesmo de ter o meu momento para minha filha, que o mundo pode parar, sim. Dediquei oito, nove horas do dia para o trabalho e posso dedicar três, quatro horas do dia para minha filha, e nada de ruim vai acontecer. Num primeiro momento, o trabalho me engoliu sim, porque é natural. Hoje está mais tranquilo na minha cabeça, mas ainda me policio, porque se deixar, acabo deixando algumas coisas de lado. Minha prioridade sim é minha filha, minha família, minha companheira, mas hoje consigo equilibrar muito bem. Tenho que continuar me olhando, porque se há uma derrota, se há uma sequência de jogos grandes, como Paulista e Brasileiro, com dez jogos em 30 dias, com viagens, vou ver muito pouco minha filha e vou estar muito cansada. Tenho que sabe aproveitar os poucos momentos com ela o melhor possível - destacou.

Via: GE