Internacionais | Diário de um prisioneiro

Sexta-feira, 12 de Dezembro de 2025

Ex-presidente da França relata rotina na prisão

Nicolas Sarkozy ficou preso durante 20 dias no complexo penitenciário de La Santé, em Paris, e foi solto para aguardar em liberdade o recurso contra sua condenação por conspiração criminosa

Vinte dias, 213 páginas. A cada 24 horas atrás das grades, o ex-presidente da França, Nicolas Sarkozy escrevia mais de 10 páginas de seu novo livro, relatando sua passagem pela prisão de La Santé, em Paris.

“Poderia ter sido um hotel barato, se você ignorasse a porta blindada com a sua fechadura”, recorda o ex-presidente francês no livro, que chegou às livrarias na quarta-feira (10), um mês depois de ter saído da prisão em 10 de novembro.

A prisão era um “inferno”, escreve Sarkozy em “Diário de um Prisioneiro”, obra que acompanha o intenso interesse público e a investigação em torno de sua condenação em setembro por conspiração criminosa para financiar sua campanha de 2007 com fundos da Líbia.

Ele foi libertado antecipadamente de sua sentença de cinco anos em novembro, enquanto aguarda o julgamento de seu recurso.

A vista da sua janela estava bloqueada por painéis de plástico, conta Sarkozy sobre o tempo em que esteve preso, acrescentando que era impossível ver o céu ou sequer saber como estava o tempo.

À noite, era atormentado pelos insultos dos outros presos, que ecoavam por todo o complexo penitenciário, escreve ele. Certa noite, foi acordado quando um detento ateou fogo a uma cela próxima.

Tempos difíceis

Era uma realidade muito diferente do luxo de que ele desfrutou como chefe de Estado da França entre 2007 e 2012.

“Sentado na cama, que não estava arrumada, levei um susto. Nunca tinha sentido, nem mesmo durante o meu serviço militar no exército, um colchão tão duro. Uma mesa teria sido quase mais macia”, escreveu ele.

Ainda assim, como outros prisioneiros na chamada ala VIP, que consiste em 18 celas, ele desfrutava de TV, chuveiro, geladeira e fogão privativos.

O livro narra seu cotidiano na prisão, intercalando com lembranças das semanas entre sua sentença e sua chegada aos portões de La Santé em 21 de outubro.

Na França, muito se falou sobre as audiências oficiais oferecidas a Sarkozy após sua condenação.

Ele foi convidado ao palácio presidencial – em uma reunião que, segundo Sarkozy, resultou na insistência do presidente francês Emmanuel Macron para que ele aceitasse uma transferência para outra prisão, onde ficaria alojado em um “apartamento para familiares de detentos”.

Sarkozy disse que recusou a oferta.

Na prisão, ele também recebeu a visita de seu ex-colega e atual ministro da Justiça, Gérald Darmanin, o que provocou duras críticas de muitos na França.

Mensagens e telefonemas de apoio de líderes mundiais e embaixadores também chegaram, segundo o livro.

Sarkozy disse que o embaixador dos EUA em Paris, Charles Kushner, pai do genro de Donald Trump, Jared Kushner, também solicitou encontrá-lo pela primeira vez na prisão.

Kushner pai, posteriormente perdoado por Trump, cumpriu pena por sonegação de impostos, retaliação contra uma testemunha federal e perjúrio perante a Comissão Eleitoral Federal.

Com encontros presenciais com sua família pelo menos uma vez a cada dois dias, a realidade do tempo de Sarkozy na prisão é muito diferente de como ele descreve a vida dos detentos na chamada ala VIP ou de isolamento da prisão.

"Ninguém os vê. Ninguém os encontra", escreve ele.

Renascimento

Para Sarkozy, o livro é uma tentativa de desintoxicar sua imagem.

Acabaram-se as antigas polêmicas que exigiam uma justiça rigorosa. Os tribunais franceses "devem punir, porque quando se é um bandido, é ainda pior ser um bandido de alto escalão do que um de baixo escalão", disse o presidente defensor da lei e da ordem em 2012.

Em seu lugar, surgem relatos otimistas sobre sua vida após a condenação.

Ele detalha ter levado um adolescente com câncer a um jogo de futebol poucos dias antes de ser levado para a prisão e ter recebido aplausos em restaurantes.

Sarkozy diz que torcedores de futebol o cobriram de apoio e lembra de famílias alinhadas nas ruas enquanto seu comboio o escoltava até a prisão – um paralelo com as multidões que o aclamaram na noite de sua eleição presidencial, afirma.

Os funcionários da prisão ficaram impressionados com a quantidade de cartas de fãs que ele enviava, incluindo 20 bíblias, 30 exemplares do mesmo romance premiado e centenas de cartas por dia – “mais do que jamais recebi como presidente”, escreveu ele.

Para aqueles que se sentem tentados a suspeitar de uma dramatização exagerada de seu tempo como presidiário, a primeira frase do livro adverte: "isto não é um romance".

Um condenado presidencial

Determinado em sua autoproclamada inocência, Sarkozy dedica metade de um capítulo a denunciar a investigação jornalística que levou à sua eventual condenação.

Em novembro, o Supremo Tribunal da França confirmou sua condenação em um caso separado relacionado ao financiamento ilegal de sua campanha de reeleição de 2012. Ele é um dos raríssimos líderes políticos modernos que já estiveram atrás das grades.

Incrivelmente, ele se compara a Alfred Dreyfus, um ex-prisioneiro de La Santé e caso célebre de perseguição injusta na França.

As visitas do capelão da prisão todos os domingos são marcos importantes nos 20 dias de prisão de Sarkozy. O ex-presidente afirma ter reacendido sua fé, fortalecido pela biografia de Jesus Cristo que levou para a cela.

Ele também trouxe dois volumes de "O Conde de Monte Cristo", um lendário fugitivo da prisão.

O político de direita parece inegavelmente comovido com o tempo que passou na prisão.

Tocado pelos cuidados da equipe, bem como pela realidade sombria da vida atrás das grades, a dor da separação da família é evidente. Assim como sua recém-descoberta valorização de tudo o que perdeu: “Em La Santé, recomecei minha vida”, é como ele termina o livro.

Mas, ao longo das 213 páginas, está praticamente ausente qualquer empatia pelos seus companheiros de prisão.

Ele se coloca como um homem à parte, tanto literalmente – isolado dos outros prisioneiros e tratado com certa deferência pelos funcionários – quanto metaforicamente, um homem inocente vivendo o “impensável”, como ele mesmo afirma.

“Entrei (na prisão) como chefe de Estado. Saí com a mesma patente”, escreve Sarkozy nas páginas finais de seu livro, relembrando a multidão de policiais, jornalistas e apoiadores que marcaram o início e o fim de seu período na prisão.

CNN Brasil