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Quarta-feira, 26 de Novembro de 2025

Como a figura da mãe de Jesus ainda divide cristãos 75 anos após dogma da Assunção de Maria

"Pronunciamos, declaramos e definimos como sendo um dogma revelado por Deus: que a Imaculada Mãe de Deus, a sempre Virgem Maria, tendo completado o curso de sua vida terrena, foi assumida, de corpo e alma, na glória celeste", publicou o papa Pio XII (1876-1958) em 1º de novembro de 1950.

Foi a última vez que a Santa Sé proclamou um dogma: a assunção de Maria, portanto, integra a lista de 43 "verdades de fé", crenças oficializadas pela Igreja Católica como sendo "inquestionáveis" para os que seguem essa religião.

A afirmação papal de 1950 foi feita por meio de um documento chamado constituição apostólica, categoria dentre as mais importantes dentro da máquina burocrática que rege os assuntos da fé católica.

Assim, Pio XII buscou encerrar uma questão que desde os primeiros séculos era debatida por teólogos e controversa entre populares: qual teria sido o fim da mãe de Jesus, já que os textos bíblicos não se ocuparam de contar sobre seus últimos dias.

O entendimento religioso era o de que ela não poderia ter tido um fim comum aos demais humanos.

"Para ser mãe de Deus, Maria não estava sujeita ao poder do pecado, portanto, não poderia também ficar sujeita ao poder da morte", explica à BBC News Brasil a cientista da religião Wilma Steagall De Tommaso, coordenadora do grupo de pesquisa A Palavra É Imagem: Arte Sacra Contemporânea, História e Religião, na Fundação São Paulo, e coautora do livro A Glorificação de Maria em Corpo e Alma.

"Jesus foi gerado por Maria e, por isso, a carne do filho era a mesma carne da mãe. Se a carne do Filho, Jesus Cristo, não se corrompeu, a mãe também não deveria experimentar a corrupção da carne, sendo glorificada na alma e no corpo da mesma forma que Jesus", completa De Tommaso

"Embora o dogma seja algo recente, estamos falando de uma crença antiga", diz à BBC News Brasil o teólogo Raylson Araujo, pesquisador na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
"O dogma veio de uma reflexão interna da Igreja."

Mas, se o papa Pio XII buscava encerrar a questão, fato é que nem o dogma foi capaz de botar uma pedra sobre o assunto.

Em outros meios cristãos, a ideia de Maria alçada de corpo e alma ao céu é vista como uma invenção; dentro da Igreja Católica, também não há consenso teológico se a mãe de Jesus morreu e, então, foi levada para junto de Deus ou se, chegado o momento, ela foi alçada aos céus sem precisar passar pela experiência da morte.
Há ainda duas curiosidades — um tanto opostas em si — sobre a proclamação do último dogma.

Por um lado, Pio 12 tomou o cuidado de, em um movimento um tanto democrático, consultar bispos de todo o mundo para saber se havia apoio popular para que a tradição da assunção de Maria se convertesse em uma verdade de fé.


Em maio de 1946, o papa publicou uma encíclica na qual apresentou a questão ao episcopado, questionando como suas comunidades viam a proposta de um "dogma de fé" da "assunção corpórea da santíssima Virgem".

Pio 12 citava que era importante saber a posição tanto do clero quanto dos fiéis.

De acordo com informações do Vaticano, 1181 respostas foram recebidas, sendo a esmagadora maioria favorável — 1169 diziam concordar com a definição do novo dogma.

Em artigo publicado sobre o tema, o cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, Orani João Tempesta afirmou que, por causa dessa consulta, a decisão papal veio para confirmar "a fé de toda a Igreja".

No livro O Dogma da Imaculada Conceição, o bispo Pedro Carlos Cipolini escreveu que o que se fez foi "uma espécie de concílio por escrito". Já o frade, teólogo e professor Clodovis Boff afirmou que o que foi feito foi "uma democracia de verificação".

G1