30.11.2011
OS INGLESES: (EITA VIDÃO BãO, SÔ)
Recebi essa matéria fantástica enviada pelo Dr. Nelson Ferreira D’Angelo, que foi publicada em abril de 2008, no Jornal da Tarde de São Paulo.
Os Rolling Stones no interior de São Paulo fazendo música e ouvindo forró? Fomos saber se era verdade. Era
A primeira cerveja que Wanderley Zanoni bebeu na vida foi durante uma festa junina na Fazenda Boa Vista, no interior de São Paulo, em uma latinha oferecida por Mick Jagger. Zé Roberto, amigo de Zanoni, animava a festa tocando sanfona enquanto Keith Richards o acompanhava na guitarra. O caseiro Paulo Viziolli também comprou os fogos de artifício. Dona Joana, sua mulher, fez os quitutes. Era uma festinha particular. A data: janeiro de 1969. O local: uma cidade de 77 mil habitantes que fica a 303 km da Capital. A notícia: foi lá que Mick Jagger e o guitarrista Keith Richards fizeram, em meio a uma farra impagável, a canção Honky Tonk Woman, um dos maiores clássicos do grupo 40 anos depois da passagem da dupla pelo interior de São Paulo.
O JT foi bater na porteira da chácara que entrou para a história do rock and roll e para as páginas do livro Sexo, Drogas e Rolling Stones, de José Emílio Rondeau e Nelio Rodrigues, que está sendo lançado nesta semana. Rondeau, que entrevistou os músicos no passado, uniu suas histórias aos conhecimentos do pesquisador Rodrigues. “O livro vale também para quem não é fã da banda”, garante Emílio.
No final de 1968, Jagger e o guitarrista Keith Richards vieram ao Brasil em férias assistir à queima de fogos em Copacabana. Na época, o assédio dos fãs e da imprensa afastaram os pop stars do Rio. O empresário Walther Moreira Salles, então, os convidou para passar 16 dias na fazenda de sua família, em Matão. A imprensa só descobriu que eles estavam lá tarde demais. Nos anos seguintes, o local ficou inacessível. A curiosidade dos fãs aumentou e a história começou a parecer lenda. Quem abriu as portas da propriedade de 33 cômodos à reportagem foi o atual proprietário, Gabriel Jorge Lenz Ferreira.
Além de Jagger e Richards, nenhum estranho tinha autorização para entrar no local. Foi lá, entre uma festa e outra, que testemunhas viram os músicos compondo “Honky Tonk Women”. O ritmo da sanfona, os cavalos e os vaqueiros serviram de inspiração aos músicos, que disseram que aquilo tudo lembrava o Arizona, nos Estados Unidos. O resultado foi à levada country-rock de Honky Tonk.
O tira-teima foi feito logo na chegada da reportagem com o próprio proprietário do local. Gabriel Lenz colocou Honky Tonk Women para tocar. “Essa música foi composta aqui”, disse. Gabriel conta que os músicos tomavam banhos nus na grande piscina, jantavam à luz de velas e tentavam exterminar os mosquitos da fazenda.
Marianne Faithfull, a namorada de Mick Jagger na época, que também estava na fazenda, conta
em sua autobiografia que viu Jagger e Richards consumindo, além de muita manga colhida no pé das terras de Matão, cerveja e a “poderosa maconha brasileira”.
Paulo Viziolli, na época caseiro da fazenda, confirma a história. Ele era um dos únicos autorizados a ter contato com os Stones. Enquanto sua esposa cozinhava para a banda, Viziolli fazia as vezes de motorista. Os códigos eram interessantes: “Quando eles gritavam ‘Matão’, estavam querendo dizer que queriam comprar fogos de artifício. Quando gritavam ‘Araraquara’, significava que queriam ir a um terreiro de umbanda”, conta.
Wanderley Zanoni era outro que tinha autorização para entrar na fazenda. Na época, tinha apenas 18 anos e era escriturário da família Salles. Sua função era entregar os jornais diariamente aos Stones e, entre uma ida e outra à fazenda, chegou a ter suas roupas rasgadas pelas meninas da cidade que tentavam invadir o refúgio. Sobre os roqueiros, eis suas impressões: “Eles eram muito cabeludos, bem esquisitos mesmo.”
A recordação que Zanoni guarda mais viva na memória é a de Marianne, a namorada de Jagger. “Ela era linda e às vezes aparecia para pegar os jornais vestida com um penhoar transparente. E nada mais”
Hoje Zanoni está aposentado e não possui nenhum disco dos Stones. “Quando descobri que eles eram famosos, pedi um monte de autógrafos, inclusive em um maço de cigarros da marca inglesa Benson & Hedges. Mandei esses autógrafos para as meninas que eu queria namorar.” O maço de cigarro autografado pertence hoje à filha da prima da ex-namorada dele. Ou seja, sumiu. Zanoni nunca tinha escutado a música Honky Tonk Women, apesar de saber que ela tinha sido composta lá. Ao ouvi-la pela primeira vez no Ipod do repórter, se arrepiou. “Parece que estou voltando no tempo e vendo eles ali nas escadas tocando violão e se divertindo.”
Muita ‘Satisfaction’
Os Stones guardam uma estreita relação com o Brasil. Jagger (que, inclusive, tem um filho com a brasileira Luciana Gimenez) afirmou que ‘Sympathy for the Devil’, faixa do álbum ‘Beggars Banquet’, de 1968, teve como inspiração um ritual de candomblé e samba-de-roda que ele viu quando esteve na Bahia. No final do mesmo ano, ele e o guitarrista Keith Richards retornaram ao país e conheceram a fazenda em Matão, no interior.
A Fazenda Boa Vista possuía na época 23 mil alqueires e se estendia por quatro municípios. Acostumada a receber importantes visitantes, a maioria amigos de Walther Moreira Salles, o antigo proprietário, a fazenda serviu de repouso também para o ex-vice presidente americano Nelson Rockefeller.
Matão cresceu e a sede da fazenda foi envolvida pela cidade. Salles construiu uma nova sede e deu de presente de aniversário a Gabriel Jorge Ferreira a casa onde os Stones ficaram. A arquitetura original foi mantida e os móveis dos 33 cômodos são os mesmos que Mick Jagger e Keith Richards usaram em 1968.
Gabriel Lenz filho do atual dono da fazenda
Gabriel recebeu a reportagem. Seu pai, que hoje é presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, ganhou a fazenda da família Salles quando completou 70 anos. O presente foi em retribuição aos 50 anos de trabalho ao Unibanco, dos Salles.
Wanderley Zanon era o escriturário da fazenda
Zanoni tinha 18 anos na época. Ele mostra na foto como Jagger o cumprimentava. Entre uma história e outra, lembra das festas que os Stones promoviam em Matão. “Não existiam cervejas em lata no Brasil. A primeira vez que vi uma e bebi foi com eles”, diz.
Sexo, Drogas e Rolling Stones
O livro traz histórias de bastidores vividas pelos próprios autores, o jornalista Emílo Rondeau, que acompanha a banda desde 1977, e Nélio Rodrigues, pesquisador e também autor do livro “Os Rolling Stones no Brasil: Do descobrimento à conquista”, lançado em 2000.