O Andarilho

07.11.2011

O BAR

Desculpas para passar a tarde de sábado num boteco é o que não faltam. A maioria vai lá apenas para passar o tempo com os amigos, beber umas e outras e dar um tempo à esposa, filhos ou a qualquer outro tipo de problema que lhe perseguiu durante a semana. No meu caso, acreditem se quiserem, fui lá a trabalho, afinal, existe lugar melhor no mundo para ouvir histórias e conhecer a cultura de um país?

 

Não, nem todas as histórias de bar são iguais. Se você pensa assim, é melhor trocar de bar ou de amigos ou vir diretamente a Agadez, uma cidade no meio do deserto do Niger. A cidade, por ela mesma, já tem muita história pra contar mas os que conhecem-nas bem já não frequentam mais esses lugares. Nesse bar, as histórias que circulam são contemporâneas, contadas em diferentes línguas por pessoas de culturas diferentes que nem sempre tem algo alegre para dividir com quem tiver interesse em escutar. É um circo. Um circo de tristes ilusões.

 

Uma delas começa assim em uma língua que mal consigo identificar como inglês: “Wow man, I love you côntri!” Meio desconcertado, olho para o jovem nigeriano de óculos escuros na minha frente e pergunto: “É mesmo? E por acaso você sabe de onde eu sou?” Silêncio entre o grupo. “Bom”, digo  para continuar aquele estranho início de conversa, “sou brasileiro, caso você queira saber qual o país que você tanto ama”. Enquanto me convida para sentar, continua dizendo que ama o Brasil, os EUA, o Canadá e a Europa. Enfim, pelo que percebo mais tarde, tudo o que faz parte desse sonho africano de um dia viver a vida das nossas telenovelas ou filmes americanos.

 

Do outro lado da rua tem um alojamento com dezenas de jovens como Harry. Todos vem da Nigéria, país ao sul, vizinho do Niger. Agadez é a cidade em que esperam pacientemente pelo transporte para cruzar o Sahara rumo à Líbia. Enquanto a situação continua perigosa neste país, sem mais nada a fazer, aguardam lá já por vários meses pelos próximos caminhões que fazem parte desse triste comércio.

 

Já ouvi muitas histórias sobre a Nigéria e todas elas sempre me fizeram evitar de pensar em cruzar qualquer fronteira com esse país. Bastaram apenas 15 minutos de conversa com Harry e seus amigos para deixarem-me completamente exausto e pronto para sair para dar uma volta. São inconvenientes, frutos de uma cultura desgastada do rap americano, da vida dura do gueto e do sonho da Mercedes, mulheres e roupas de marca. Enquanto o sonho não se realiza, satisfazem-se com cópias da Versace, D&G, Louis Vuitton e criam sua própria moda que às vezes vai além da nossa imaginação como a combinação de bermuda e chinelos com meias.

 

O mesmo Harry, logo no início já me oferece um empréstimo. Seu pai é um grande “investidor” na Nigéria e está procurando pessoas no Brasil para ajudar a lavar cerca de U$ 300.000. Quem ainda de vocês não recebeu um e-mail com essa oferta? O golpe é um dos mais manjados e intimamente me irrito com a oferta e mudo de assunto dizendo que não trabalho com esse tipo de negócio. Depois pede se eu não poderia ajudá-lo a ir ao Brasil. Em seguida quer meu número de telefone para continuarmos em contato. Aos 10 min da conversa pede-me para pagar umas cervejas para eles. Aos 15, oferece-me sua prima. Bom, minha cerveja acabou e vai ser essa mesma a desculpa para sair daí. “See you later, aligator”!

 

Antes de sair do bar, encontro novamente um cara de Agadez que morou 8 anos em Vienna, na Áustria. Ele fala cerca de 8 idiomas, inclusive alemão, é claro, mas é em francês que ele me conta o outro lado da história, a parte de quando o sonho da Europa termina. Ele voltou para ficar. A vida para ele no exterior não foi assim como nos filmes que passam na televisão. O alto custo de vida, a escassez de trabalho e o isolamento fizeram com que ele preferisse voltar. Não porque ele pensa que será melhor aqui no Niger, acho que é simplesmente porque ele cansou. Aqui, seus amigos, não acreditam em sua história. Incrível como sonhos podem deixar esse vazio em nós quando finalmente conseguimos realizá-los. Cuidado com o que vocês sonham. Um dia eles podem tornar-se realidade.

 

Quando o pessimismo começa também a tomar conta de mim, saio finalmente para respirar e caminhar pelas ruas dessa cidade histórica. É o meu último dia ali e aproveito a luz perfeita do final da tarde para tirar as últimas fotos. Ouço música e vejo crianças e mulheres dançando alegremente em mais um casamento. O dia termina e as estrelas voltam a aparecer nessa misteriosa dança da vida.

 

Abraços e até a semana que vem.

Mesquita de Agadez construída a 400 anos atrás.

Aluno em uma Madrassa estudando sutras do Corão.

Silos de grãos em vila do Niger.

Edson Walker