O Andarilho

24.01.2012

DEPOIS DE

por Edson Walker

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Em busca de inspiração, caminho pelas antigas e estreitas ruas de Nazaré. Ando a flor da pele, como diz a canção. Faltam apenas 4 horas para enviar o texto dessa coluna ao jornal e eu ainda nem sei  como começá-la. Minha mente, vazia de pensamentos, meu coração, repleto de sentimentos.

 

Deixei ontem a fazenda “Goats with the Wind” onde estive trabalhando como voluntário por duas semanas. Amnon e Daliah, os proprietários, fizeram questão de me trazer pessoalmente aqui no final da tarde. Chovia e fazia frio mas para eles esse era um compromisso de honra. Passamos antes no local onde fazem os queijos de cabra e Daliah presenteou-me com algumas generosas amostras para a minha viagem.

 

Generosidade algumas vezes não tem limites e esse sábio casal nunca deixa de me surpreender. Antes de me deixarem no albergue, convidam-me para jantar em um luxuoso restaurante. Embaixo de um aquecedor a gás, enquanto Daliah ocupa-se em fazer o pedido, Amnon me diverte com mais uma de suas longas e engraçadas histórias, contada dessa vez em francês.

 

Acordo após uma das minhas melhores noites de sono com uma estranha sensação. É como despertar depois de uma longa noite de duas semanas. Algo como acordar em um corpo diferente do seu. Ainda meio confuso, decido sair para caminhar um pouco. Tudo ao meu redor cheira à história. Lojas começam a abrir e o sol, ainda tímido, aos poucos aquece as ruas ainda úmidas da chuva da noite anterior.

 

Os estreitos caminhos de pedras enchem-se de sons familiares a alguém que cresceu em um país católico. Olho para cima e vejo a cúpula da Basílica da Anunciação, uma das mais antigas igrejas da história. Pombos sobrevoam o local e decido entrar para conhecê-la. Belíssimas imagens da virgem Maria, doadas por diferentes países, decoram o corredor de entrada. Lá dentro, naquele ambiente silencioso, místico, com luzes coloridas atravessando os vitrais das imensas janelas, um grupo de padres inicia a missa da manhã.

 

Não tem muita gente na igreja. Apenas turistas que vão e vem com suas câmeras fotográficas. Eu, porém, decido ficar e, para minha surpresa, o celebrante começa lendo a bíblia no mais perfeito português brasileiro. Israel é sempre tão cheio de surpresas. Após a comunhão, os padres começam a cantar em espanhol: “Maria, mãe que não se cansa de esperar.” Por mais que eu tento segurar minhas emoções, lembranças da minha família, do meu país e das últimas semanas aqui, fazem com  que lágrimas molhem meu rosto. Nem sequer consigo lembrar-me da última vez que chorei.

 

Sinto um grande alívio e volto para as ruas. Pequenas lojas nas estreitas ruas do mercado vendem olivas, frutas, doces, roupas, sapatos e cheiros. Agora é a vez dos sons das mesquitas inundarem as ruas da cidade. É a hora da oração e muçulmanos encontram-se para rezar novamente.

 

Nazaré é uma cidade onde diferenças vivem lado a lado. Acho que é isso que faz essa região tão rica e especial. Pessoas tentam achar alternativas para viver em paz, para aceitarem uns aos outros, para aprender a conviver. Nem todos aqui são radicais e querem a separação de estados entre Israel e Palestina. Muitos querem apenas viver suas vidas, criar seus filhos em paz com seus vizinhos.

 

Amanhã vou voltar a Jerusalém onde passei já dois dias antes de vir para a Galileia. É uma cidade ainda mais interessante que Nazaré e provavelmente terei várias histórias para contar na semana que vem. Tenho lá já 3 lugares diferentes para ficar com amigos que conheci por aqui. Israel é assim. Um país relativamente caro para viver mas é muito fácil economizar com acomodação e ser convidado para ficar de graça na casa de alguém. Caronas também são fáceis de se conseguir e, há duas semanas atrás, com meu amigo russo Alexander, pegamos duas caronas com mulheres dirigindo sozinhas. Algo difícil de se imaginar no Brasil.

 

Shalom e até semana que vem.

Daliah e seu neto na fazenda


Missa na Basílica da Anunciação em Nazaré


Albergue Fauzi Azar, uma relíquia histórica de Nazaré

Edson Walker