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Quarta-feira, 03 de Dezembro de 2025

Ter celular aos 12 anos aumenta risco de obesidade, depressão e de dormir pouco, aponta estudo

Qual é a idade certa para dar o primeiro celular para o seu filho? Se o pedido de um celular já foi tema de conversas na sua casa, uma pesquisa divulgada nesta semana pode trazer um alerta importante: não deveria ser antes dos 12 anos. A pesquisa descobriu que quem tem acesso aos celulares nessa idade (ou antes dela) tem chance maior de depressão, obesidade e sono insuficiente.

O estudo acompanhou por dois anos mais de 10 mil adolescentes do Adolescent Brain Cognitive Development Study (ABCD), uma das maiores pesquisas sobre desenvolvimento cerebral e comportamento na adolescência nos Estados Unidos. O objetivo era responder à pergunta: o que muda na saúde física e mental quando o celular entra muito cedo na vida dos jovens?

A discussão é ainda mais urgente porque não existe uma diretriz clara sobre a idade recomendada para o primeiro celular. A orientação geral é apenas que isso não aconteça durante a infância, considerada até os 12 anos incompletos. No Brasil, essa também é a posição do Ministério da Saúde.

O que a pesquisa descobriu é que, mesmo esse recorte de idade, pode não ser o mais indicado e que apenas a exposição ao celular, ainda que não seja com uso abusivo por muitas horas, é capaz de trazer problemas na saúde física e mental.

O g1 conversou com Ran Barzilay, autor principal do estudo e psiquiatra infantil e adolescente do Hospital Infantil da Filadélfia. Ele explica que os pais precisam encarar a decisão de dar ou não um celular aos filhos não só como uma questão social, mas também de saúde.

“Os pais devem encarar a decisão de dar um smartphone ao filho como uma etapa que tem implicações para a saúde das crianças”, explica.


E o que a pesquisa descobriu?
Ao longo dos dois anos de acompanhamento com mais de 10 mil pessoas, os pesquisadores observaram que, ao comparar adolescentes de 12 anos que tinham celular com aqueles que não tinham:

quem já tinha um smartphone apresentava 62% mais chance de dormir menos de 9 horas por noite — que é o recomendado para essa idade de desenvolvimento;
nessa idade, quem já tinha um celular tinha 40% mais risco de obesidade;
além de 31% mais risco de depressão.
Um ponto importante: os resultados não estão falando de adolescentes que têm o que os pesquisadores chamam de “uso problemático”, caracterizado por longas horas de exposição. Esses adolescentes foram excluídos da pesquisa.

Isso indica que a própria posse do celular, com o acesso irrestrito ao ambiente digital, já pode alterar rotinas e comportamentos importantes como sono, alimentação e interação social.

Além disso, a pesquisa aponta que a idade em que o celular chega às mãos dos adolescentes importa.

Na amostra analisada, a idade mediana da primeira aquisição era 11 anos. Para cada ano em que o aparelho chegava mais cedo, o risco de obesidade subia 9% e o de sono insuficiente aumentava 8%.

Crianças e adolescentes estão em fase de desenvolvimento, o cérebro e o corpo mudam rapidamente durante esses anos e, portanto, três anos têm muito mais importância do que, digamos, entre os 29 e 32 anos, quando as pessoas já são adultas. Portanto, se conseguirmos manter as crianças saudáveis durante esses anos, o impacto na vida adulta será grande.


 Isso pode parecer pequeno individualmente, mas esses riscos aparecem em uma idade sensível de desenvolvimento e podem trazer consequências para a vida adulta. Pesquisas robustas já mostram que adolescentes obesos têm altas chances de se tornarem adultos obesos e, com isso, desenvolver ao longo da vida doenças relacionadas ao excesso de peso, como hipertensão e diabetes.

E se o celular for dado depois dos 12 anos? O estudo também acompanhou adolescentes que não tinham o aparelho aos 12 anos, mas ganharam aos 13. Em apenas um ano com o acesso ao telefone, eles apresentaram 57% mais risco de atingir níveis clínicos de psicopatologia e 50% mais risco de sono insuficiente, mesmo quando a saúde mental e o sono do ano anterior tinham bons níveis. Ou seja, o impacto aparece rápido.

E como o celular impactou a saúde?
Os adolescentes avaliados no estudo foram acompanhados por dois anos, o que permitiu aos pesquisadores observar mudanças reais na saúde ao longo do tempo.

A pesquisa, porém, não identificou exatamente quais comportamentos associados ao celular explicam o aumento do risco de depressão, obesidade ou sono insuficiente.

No entanto, aponta caminhos possíveis: o uso do celular pode contribuir para atenção fragmentada, aumento de comportamentos de verificação constante e reduzir a vontade de atividades em espaços abertos — o que acaba aumentando o sedentarismo.

O médico neurologista pediátrico e pesquisador sobre os impactos do uso de telas com crianças e adolescentes, Marcelo Masruha, explica que o uso de celular impacta o desenvolvimento cognitivo e modifica sistemas no cérebro da criança e do adolescente, que estão em fase de desenvolvimento.

Crianças e adolescentes que usam telas com mais frequência têm redução da capacidade de memória de trabalho, que é aquela temporária para guardar informação de curto prazo. Além de redução da capacidade de atenção. Ou seja, isso afeta o cérebro em uma idade muito importante de desenvolvimento.

E o que fazer quando o adolescente tem acesso ao telefone?
Conversar com os amigos mais distantes, mandar trabalhos por e-mail, pedir um delivery, fazer o check-in no espaço onde pratica atividade física, ser acessível para os pais. Tudo isso faz parte da rotina de um adolescente, e é inevitável que, em algum momento, ele tenha um celular.

Ran Barzilay, que conduziu o estudo, explica que a ideia da pesquisa não é impedir que adolescentes tenham acesso ao telefone, mas trazer uma reflexão mais profunda sobre os impactos disso, que parece tão cotidiano no “mundo dos adultos”.

Quase todos os adolescentes eventualmente terão um smartphone, mas, quando isso acontecer, é importante conversar com a criança e verificar como o smartphone a afeta em termos de sono, bem-estar e se ela ainda tem tempo suficiente para fazer coisas fora do celular, como ver amigos e familiares pessoalmente e praticar atividades físicas, que sabemos serem benéficas tanto para reduzir o risco de obesidade quanto para melhorar a saúde mental.
— Ran Barzilay psiquiatra especialista em infância e adolescência e pesquisador
Ele conta que tem três filhos: os dois mais velhos receberam o primeiro telefone antes dos doze anos, mas que agora, com o que sabe, o mais novo, que tem nove anos, não vai receber tão cedo.

Marcelo Masruha, médico e autor de um livro sobre uso de telas, explica que, no seu consultório, a recomendação aos pais é que o celular só seja do adolescente a partir dos 14 anos.

G1