Brasil | Ameaça a patrimônio
Domingo, 21 de Dezembro de 2025
Ladeiras do Sítio Histórico de Olinda ficam mais íngremes e ameaçam Patrimônio da Humanidade, diz estudo
Relatório produzido por pesquisadores da UPE mostra que degradação provocada por ação humana agravou nível de inclinação das encostas, aumentando risco de desmoronamentos em um dos centros urbanos mais antigos do país.
Nos últimos anos, o Sítio Histórico de Olinda tem enfrentado um lento e perigoso processo de degradação que, a longo prazo, ameaça um dos centros urbanos mais antigos do país. Se nada for feito, a região, que é Patrimônio Cultural da Humanidade desde 1982, corre o risco de perder, ao menos, parte de seus "tesouros" arquitetônicos em desmoronamentos de encostas.
O alerta consta num relatório produzido por pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de Pernambuco (UPE), que faz parte de um projeto do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
As informações foram publicadas pela Marco Zero Conteúdo e confirmadas pelo g1. A consultoria técnica avaliou a situação do solo e o nível de inclinação das encostas do Sítio Histórico, perímetro urbano cheio de ladeiras que abrange uma área de 1,2 quilômetro quadrado e abriga um dos principais polos de carnaval do país.
O g1 entrou em contato com a prefeitura de Olinda, mas, até a última atualização desta reportagem, não obteve resposta.
De acordo com o professor Alexandre Gusmão, que coordenou o projeto, o estudo detectou, após seis meses de análises, um aumento na declividade dos morros e na instabilidade do solo, o que tem deixado as ruas mais íngremes. Um processo de degradação chamado tecnicamente de "rastejo".
"Pelo menos nos lugares que a gente visitou, não há riscos iminentes. A situação piora no período chuvoso, mas é um movimento relativamente lento [...]. Só que, quando você tem uma obra que já tem problemas de degradação por falta de manutenção e você bota a encosta para se movimentar e aumentar trinca, fissura, você pode, sim, criar um cenário de algumas dessas casas até ter risco de desabamento e comprometimento estrutural", explicou.
Entre os locais afetados, conforme o relatório, estão pontos turísticos conhecidos, como:
- Seminário de Olinda;
- fundos da Igreja da Sé;
- Ladeira da Misericórdia;
- Bica dos Quatro Cantos;
- Igreja de Nossa Senhora do Amparo;
- Rua Nossa Senhora de Guadalupe.
Segundo o relatório, as encostas localizadas em alguns desses pontos apresentam inclinações superiores a 50 graus, associadas a "problemas de movimentos de massa, como deslizamentos e quedas de blocos". A vistoria constatou, ainda, fissuras e desníveis em diversos imóveis.
"A gente viu muito lugar com muito cupim ou com fungo. E isso naturalmente vai diminuindo a vida útil da obra", contou.
Para o professor, a situação se agrava quando há falhas na manutenção das edificações, aumentando o risco de acidentes como o que ocorreu em Salvador, onde parte do teto da Igreja de São Francisco desabou, deixando uma pessoa morta e outras cinco feridas.
"Se você tiver uma obra histórica com a condição muito degradada, ela está numa encosta e a encosta está se movimentando, você junta as duas coisas que podem realmente ir para um cenário como esse. O que a gente observou em Olinda e que a gente já conhecia de outras pesquisas é que você não tem esses cenários de risco iminente. [...], mas são movimentos em lugares que estão em situação muito crítica", afirmou.
Ação humana
Segundo o levantamento, o processo de degradação do solo nas encostas é resultado da ocupação humana e agravado por obras de drenagem e intervenções urbanísticas, como construção ou retirada de muros de arrimo, praças e corredores viários de forma inapropriada.
"A Igreja do Carmo hoje tem uma encosta de 45 graus em alguns lugares, quando [antes] eram 10, 12 graus. Era bem menor. Então, naturalmente, quando você tira essa massa de solo, essa encosta do Carmo tende a se expandir, a se aliviar, e isso provocou o movimento na igreja, a torre inclinou. Os problemas de patologia nesse Sítio Histórico, nas igrejas e em alguns monumentos, estão relacionados à própria ação antrópica", disse o professor Alexandre Gusmão.
De acordo com o especialista, outra pesquisa em paralelo avaliou as supressões da vegetação e o impacto das intervenções humanas na paisagem ao longo do tempo, desde as primeiras ocupações no período colonial.
"O papel da vegetação, para a engenharia, também é muito importante. Porque, quando você tem uma superfície e você tira aquela vegetação, você induz que a água infiltre mais e a água na hora em que infiltra mais ela pesa, faz com que o peso do solo aumente, a resistência do solo diminua. E aí, você pode deflagrar processos como deslizamentos, movimentação da encosta, erosões. Isso tudo afeta o próprio Sítio Histórico: as casas, as igrejas, tudo que tiver nessa região", explicou.
O professor defendeu, ainda, que o mapeamento seja mais detalhado e aprofundado para identificar as medidas que devem ser tomadas no sentido de combater a erosão e garantir a conservação do patrimônio histórico.
"É elencar as principais diretrizes de como devem ser feitos os projetos de estabilização desses lugares de recuperação dessas obras, para que o poder público se mobilize e possa com esses projetos fazer licitações [...]. É igual a um médico. Precisa entender o que é que está causando a movimentação [da encosta] para que você possa projetar a obra de engenharia adequada", detalhou.
G1








