Brasil | Cura continua rara
Quarta-feira, 03 de Dezembro de 2025
Homem vive mais de seis anos sem sinais do HIV após transplante de células-tronco, indica estudo aceito pela Nature
Um homem que vive com HIV está há mais de seis anos sem apresentar sinais do vírus no organismo após receber um transplante de células-tronco para tratar uma leucemia mieloide aguda.
O caso, aceito para publicação na revista científica Nature, adiciona evidências de que a remissão duradoura do HIV pode ocorrer mesmo quando paciente e doador não têm a mutação genética considerada, por décadas, essencial para a chamada “cura funcional”.
A mutação CCR5Δ32, especialmente quando herdada em dose dupla, bloqueia a entrada do HIV nas células do sistema imunológico e esteve presente em parte dos poucos casos de remissão descritos até hoje. O novo estudo, porém, descreve um cenário diferente.
Remissão longa, sem terapia e sem mutação completa
Segundo o manuscrito, o paciente é heterozigoto para a mutação CCR5Δ32 — ou seja, tem apenas uma cópia dessa variante genética. Nesse caso, o organismo ainda produz parte do receptor CCR5, uma “porta” usada pelo HIV para entrar nas células de defesa.
O doador das células-tronco também era heterozigoto, portanto nenhum dos dois tinha a forma completa da mutação capaz de bloquear totalmente essa porta.
O transplante foi feito exclusivamente para tratar a leucemia. Três anos após o procedimento, com o câncer controlado, os médicos interromperam a terapia antirretroviral (TARV) — o tratamento que mantém o HIV sob controle. Desde então, já se passaram mais de seis anos sem que o vírus voltasse a aparecer nos exames, indicando remissão sustentada.
Sem vírus detectável e com reservatório reduzido. Ao longo do acompanhamento, os pesquisadores observaram:
RNA do HIV indetectável no plasma;
ausência de vírus replicativamente competente no sangue e nos tecidos intestinais;
queda acentuada de anticorpos e células T específicas para o HIV, sugerindo baixa atividade viral;
presença de HIV proviral intacto antes do transplante, mas nenhum sinal posterior de vírus funcional.
Esses achados apontam para uma redução profunda do reservatório viral — conjunto de células onde o HIV costuma permanecer adormecido e difícil de eliminar.
Resposta imune pode ter ajudado a ‘limpar’ células infectadas
O estudo também chama atenção para um ponto do sistema imunológico que pode ter sido decisivo: no momento do transplante, o paciente apresentava alta atividade de citotoxicidade celular dependente de anticorpos (ADCC). Em termos simples, é um tipo de resposta imune em que anticorpos “marcam” células infectadas e outras células de defesa vêm e destroem essas células-alvo.
Esse mecanismo pode ter ajudado a eliminar células que ainda abrigavam o HIV, contribuindo para o esvaziamento do chamado reservatório viral — os locais onde o vírus costuma se esconder.
Para os pesquisadores, isso reforça uma mudança importante no entendimento da área: a mutação CCR5Δ32, vista por anos como peça central para atingir a remissão do HIV, não é indispensável. O caso mostra que outros caminhos biológicos também podem levar ao controle prolongado da infecção.
Um caso que amplia o entendimento sobre a cura
Antes deste relato, apenas seis casos de remissão sustentada haviam sido registrados — todos envolvendo transplantes de células-tronco realizados no contexto de cânceres hematológicos. Muitos desses indivíduos receberam células de doadores com duas cópias da mutação CCR5Δ32.
O novo caso mostra que mecanismos independentes dessa mutação podem levar a resultados semelhantes.
Segundo os autores, os dados “ressaltam a importância de estratégias que reduzam de maneira profunda o reservatório viral” como caminho para futuras terapias de cura.
Cura continua rara
Apesar do resultado excepcional, o estudo reforça que a cura do HIV permanece extremamente rara. Transplantes de células-tronco são procedimentos de alto risco e só são indicados para tratar cânceres graves, não sendo uma alternativa para o tratamento de pessoas vivendo com HIV.
Mesmo assim, cada novo caso ajuda a esclarecer os mecanismos envolvidos na remissão e orienta o desenvolvimento de terapias mais seguras e escaláveis no futuro.
G1








