O Andarilho

18.12.2011

UM OÁSIS NO MEIO DE UM VASTO DESERTO

Meu “escritório” dessa semana é de dar inveja. O chão é ocre, coberto por uma camada de areia fina. O teto, de fundo azul, é protegido por uma densa floresta de tamareiras que guardam ainda alguns dos últimos frutos da estação. Ao meu lado, uma fonte de água transparente e algumas figueiras que perdem suas últimas folhas antes do inverno que se aproxima. O silêncio só é interrompido pelos Adhans (chamado para a oração) e por alguns daqueles gritos engraçados dos burros ainda muito usados aqui para transporte de cargas e turistas.

 

Estou em Siwa, um oásis no meio de um vasto deserto a apenas 50 kms da fronteira com a Líbia. Não há nada ao redor além de uma árida paisagem de solidão. A vida concentra-se sempre ao redor da água e aqui ela criou um verdadeiro espetáculo natural com florestas de palmeiras, lagos e fontes que brotam por todos os lados. Se a pegada petrificada encontrada aqui for realmente verdadeira, esse refúgio já é conhecido pelo homem há cerca de 3 milhões de anos, ou seja, muita coisa já aconteceu nessa pequena cidade famosa por um oráculo consultado por inúmeros faraós e até mesmo pelo conquistador Alexandre.

 

No centro, o resto de uma antiga cidade construída com areia, pedras e troncos de tamareiras parece estar derretendo-se com o passar do tempo. É um lugar impressionante onde o tempo anda num ritmo diferente ao nosso. Nas ruas, pequenas carretas puxadas por burros em “taxis ecologicamente corretos” levam turistas para passear pelas ruas tranquilas da cidade. Viajantes passam aqui dias tranquilos passeando de bicicleta pelas pequenas estradas cercadas por tamareiras e, quando a fome aperta, param e colhem algumas das últimas tâmaras da estação. É lindo no pôr-do-sol mas hoje o céu está coberto por baixas nuvens cinzentas mas isso nem me incomoda muito pois estou me recuperando do último resfriado. Dia perfeito para ficar na cama comendo chocolate e escutando música egípcia. Talvez eu não deveria ter ido ontem a noite naquela piscina de águas termais no meio do deserto mas a boa companhia, a lua cheia e algumas estrelas cadentes fazem valer a pena qualquer resfriado no dia seguinte.

 

É também um lugar para fazer muitos amigos e colecionar muitas histórias interessantes. Porém nem todas amizades são genuínas ou sinceras e requerem do viajante um pouco de atenção e bom senso. Algumas pessoas utilizam-na para vender pacotes turísticos ou levá-lo para algum restaurante  ou café nos quais os preços são exageradamente altos e a tarifa do taxi que ele providenciou inclui já a comissão do seu novo amigo. Não demora muito para você perceber que aquele jovem, aparentemente desinteressado, está na verdade trabalhando e você caiu novamente na armadilha. 

 

Tem também muito turista maluco, na verdade é muito difícil achar alguém normal nesses dias. Um bom exemplo disso é uma canadense chamada por ela mesma de Misty. Ela é capaz de ler todo o seu futuro no fundo do seu copo de café ou até mesmo na superfície da sua sopa. Meu futuro será brilhante e colherei em breve os frutos de todas as minhas viagens. A mulher com a qual casarei (ela não soube dizer se era loira ou morena) já faz parte do meu grupo de amizades e depende apenas de mim abrir meu coração para transformar esse sentimento em amor. Fico pensando... quem será ela?!

 

Passei ontem a noite novamente algumas horas em uma delegacia de polícia. A história dessa vez é ainda mais interessante e complexa do que a última. Um australiano que possui uma casa aqui em Siwa nos convidou para conhecê-la. É uma casa antiga, de mais de 150 anos com paredes espessas construídas com pedras, areia e sal que ele pretende transformar em um hotel no futuro. Estava lá com meu amigo indiano, a Misty canadense, um australiano, dois jovens da cidade e mais uma jovem egípcia da cidade de Alexandria. A conversa estava animada, todo mundo fazendo piadas e pensando em algum jogo para passar o tempo.

 

Alguém toca a campainha e o australiano dono da casa vai atender. Após alguns minutos ouvimos uma discussão no andar de baixo e ele volta para pedir para que todos nós o acompanhemos. Saímos da casa e na rua um grupo de homens, a maioria vizinhos, estão lá nos esperando. O clima é tenso e ninguém entende o que está acontecendo. Um jovem de 17 anos, o mais agitado de todos, discute com um dos nossos amigos locais que estavam na casa. Após, ele diz em inglês que não tem problema nenhum com nós mas, apontando o dedo, apenas ela, a jovem egípcia. Acusa ela de coisas horríveis e a insulta com palavras impróprias para o texto dessa coluna.

 

Bom, vamos todos para a delegacia para resolver o problema. O australiano quer registrar queixa e todos o acompanhamos. Chamam um dos sheiks da vila, um dos chefes tradicionais que ouve a história e pede desculpas pelo acontecido. Ele pede para chamar o jovem que insultou a nossa amiga e após alguns tapas e empurrões na própria sala do delegado obrigam-no a pedir desculpas para cada um de nós. Saímos da delegacia com aquela sensação de que tudo foi uma espécie de encenação porque havia estrangeiros envolvidos no caso. No fundo continuam acreditando que a egípcia é a única responsável por tudo aquilo afinal uma jovem viajando sozinha, com roupas ocidentais, sem o véu cobrindo a cabeça, que usa maquiagem e fuma em público não segue de forma alguma as rígidas regras de comportamento feminino em qualquer país muçulmano.

Cidade de Alexandria.

Pôr-do-sol no oásis de Siwa.

Taxis ecologicamente corretos.

Edson Walker