O Andarilho

30.10.2011

NIAMEY, CAPITAL DO NIGER

Viajar sem muita grana é ruim mas faz com que você tenha que ser criativo e isso permite-lhe descobrir um mundo novo, totalmente fora do planejado ou escrito em guias de viagens. Afinal, acordar de manhã em uma casa africana e deparar-se com a mãe da família, peso aproximado 150kgs, de topless no sofá da sala não faz parte do roteiro turístico de nenhuma agência.

 

Estou agora em Niamey, capital do Niger. Passei a primeira noite confortável num quarto da missão católica francesa da cidade. É uma espécie de oásis, um lugar com Jesus Cristo pregado na cruz em todos os quartos, algo que não via há muito tempo. No complexo da missão tem também escola e ao redor um grande muro com cartazes não muito eficazes dizendo “Proibido urinar ou fazer o número dois. Multa de 2 reais!” Tem outro mais educado “Favor não fazer suas necessidades aqui”.

 

Naquela noite teve missa na igreja com tambores e vozes africanas cantando em francês. O Niger é, porém, um país com até 98% de muçulmanos e aquele punhado de cristãos rezando era para mim uma cena estranha pois ao redor ouvia-se os alto-falantes das mesquitas chamando para a  última oração do dia.

 

No meio da madrugada acordei, cerca de 3h00 da manhã, com sons do que parecia uma manifestação muçulmana com gritos de ordem e pensei até ter escutado pedradas no teto dos quartos. Fiquei lá no escuro imaginando o que eles estavam dizendo. “Queimem os cristãos!”? Ou  lamentavam apenas a morte de Kadafi? O motivo é ainda desconhecido para mim mas, acreditem, tenho certeza absoluta de que não estava sonhando. No outro dia saí pelas ruas esperando alguma animosidade mas as pessoas continuavam gentis como no dia anterior e não senti em nenhum momento, mesmo com essa cara de americano, qualquer demonstração ou sentimento antiocidental.

 

A única pessoa pouco gentil que encontrei até agora aqui foi o responsável pelos quartos da missão que, como se fosse um grande favor, me permitiu ficar lá apenas 1 noite. Saí para procurar um novo hotel mas logo minha esperança misturou-se ao pó que encobre toda a cidade. Os quartos mais baratos, num desses hoteizinhos que possuem lista com preços de até 1hr (se é que vocês me entendem) custavam pelo menos R$ 50,00. Fiquei por alguns momentos sem saber o que fazer pois não iria pagar isso de jeito nenhum para ficar num “muquifo”. Boa hora para acalmar-se e pensar no problema com clareza. Calma e paciência são fontes de criatividade. É preciso saber esperar pela hora certa de agir.

 

“Vou falar com o Erik”, pensei. “Ele vai me ajudar com certeza”. Voltei então para a missão católica e procurei pelo motorista, um cristão de 26 anos, cara de moleque com simpatia esculpida em seu rosto. Veio até mim sorrindo e arrastando suas sandálias com seus quase 100kgs e quando perguntei se podia ficar em sua casa me respondeu com a mesma resposta que costuma usar para cada coisa que peço a ele: “Il n'a pas de problème”. Sem problemas!

 

Sua casa fica em um bairro não muito distante do centro. As pessoas nas ruas são simpáticas e quando caminho sozinho pelos arredores me olham com aquele olhar “Esse branco só pode estar perdido”, afinal, não acho que costumam ver muitos por lá. Sua casa é até bem boa comparada com as outras que já fiquei no Mali e na Mauritânia. Tem até geladeira e sofá onde costumo ver sua mãe e 3 irmãs, às vezes, vestindo apenas panos com estampas coloridas e, às vezes, com as tetas de fora assistindo TV. Juntas devem somar uns 500kgs, sendo que a mãe e a irmã mais velha são responsáveis por dois terços do peso total.

 

A irmã grandona tem um filho de uns 4 anos que é muito carinhoso. Toda vez que chego ele vem me abraçar. Geralmente corre pela casa todo pelado e ontem consegui tirar uma foto dele deitado no sofá tomando um iogurte. Infelizmente a foto da mãe de topless vou ficar devendo para vocês. Ou felizmente, sei lá. Outro dia dei ao moleque uma maçã e foi impressionante a velocidade com que ele colocou ela na boca e começou a comê-la. É preciso ser rápido na África. Gentileza não enche a barriga.

 

Encontrei esses dias outro viajante, um australiano, que está viajando há quase um ano pela África. O cara tem cada história pra contar! Viu cada coisa pelo caminho e tem fotos incríveis. Foi legal  encontrar alguém com tanta experiência de viagem e pude tirar com ele várias dúvidas e saber, por exemplo, que a Austrália exporta camelos para países do Oriente Médio. No hotel onde estávamos, conhecemos 4 “atrizes” da Nigéria que estavam fazendo um “tour” com o seu agente “artístico” fazendo apresentações de drama e música! Eu e meu amigo demos muitas risadas com elas no saguão do hotel. Essas foram as putas mais engraçadas que já conheci. Viajar é conhecer pessoas e em uma viagem como essa a gente conhece de tudo um pouco.

 

Abraços e até a semana que vem.

Aluna fazendo exercícios na escola da missão católica.

Dromedário passando na frente do hotel mais chique da capital Niamey.

Tomando iogurte peladão, por que não?

Edson Walker