O Andarilho

06.10.2011

MALI - PARTE II

Após quase uma semana esperando ansiosamente, finalmente chegou a hora. A música já vai começar! Os músicos estão prontos, aguardando apenas a entrada dele, Toumani Diabaté, um dos grandes nomes da música maliense da atualidade. Ele entra lentamente com sua muleta e, sorrindo gentilmente, é calorosamente aplaudido pela plateia que lota o Centro de Cultura Francesa em Bamako.

 

A música do Mali é bem conhecida internacionalmente. Vários artistas daqui já alcançaram fama e sucesso mundial. Diabaté, por exemplo, possui já dois prêmios Grammies conquistados em 2006 e 2010 como melhores álbuns de música tradicional. Ele toca a Kora, um instrumento típico de cordas africano. Mestre nesse instrumento, ele é capaz de fazer o tempo parar ao seu redor. É uma música espirituosa que traz calma e paz para os que o ouvem. Diabaté e sua Kora parecem entrar em equilíbrio, um parece a extensão do outro.

 

A orquestra é grande, cerca de 16 músicos ao total. Vários cantores convidados revesam-se no palco e, com suas vozes fortes africanas, misturadas a grande quantidade de sons dos vários instrumentos tocados ao mesmo tempo, dão uma grande intensidade à música. Em alguns momentos você sente entrando numa espécie de transe que chega até a arrepiar a pele.

 

Penso no mundo lá fora deste teatro. A vida parece ser tão dura, impossível até de ser suportada por nós ocidentais. Aqui dentro, a África assume a grandiosidade de sua outra face. A vida possui tamanha intensidade no ser humano que, mesmo em terrenos tão áridos, a arte sempre floresce. Ouvir a música de Diabaté, causou em mim a sensação de estar conectado novamente com a vida. Ela é ao mesmo tempo dura e bela aqui na África.

 

Depois do show fui com meus amigos para um bar com música ao vivo. Era uma daquelas noites que você não quer que termine nunca. Seria um dia de celebração da música africana. Fomos para um bar chamado O Diplomata e, como o nome indica, é um local frequentado pela elite local. Após sermos cumprimentados pelas prostitutas que circulam no local pedimos uma cerveja e ficamos no bar escutando a excelente banda de jazz que tocava naquela noite. Várias famílias bem vestidas com homens em trajes sociais para mostrar seu status econômico assistiam o show sem mostrar muita emoção.

 

Algumas pessoas vinham para o palco para dançar e um gordo do tamanho de um lutador de sumô tomou conta do show quando subiu nele. Tirou sua camisa e ficou lá dançando com suas banhas num espetáculo bizarro no qual eu não sabia se tinha graça ou não. A noite ficou engraçada apenas quando um rapaz que dançava bastante efeminado veio convidar meu amigo alemão para dançar com ele. O convite era sério e chegou até a tentar puxá-lo para o palco. Meu amigo teve um pouco de dificuldades em fazer ele entender que ele não estava a fim de dançar naquela noite. A gente passa por cada situação inusitada ao viajar.

 

Era o final de um sábado que havia começado com uma visita à fazenda de um amigo da minha colega de trabalho na Angola. Mohamed Ali e seu irmão são filhos de um embaixador da ONU aposentado e estudam nos EUA. Nas férias, visitam sua família em Bamako e ajudam na administração de 4 hectares de terra dedicados a produção de frutas e legumes. Praticamente a metade da área é coberta com um material importado de Israel. Ele filtra os raios do sol e cria um ambiente quente e úmido embaixo. Reflete também os raios solares de dentro e brilha bastante atraindo os insetos afastando-os das plantas. O sistema de irrigação possui até mesmo um computador que pode controlar as horas e quantidade de água e toda energia utilizada na fazenda vem de painéis solares. Tecnologia de ponta mesmo e, tudo funcionando.

 

A fazenda foi uma vontade de seu pai que resolveu utilizar parte do dinheiro de sua aposentadoria para realizar um sonho: produzir comida para seu país. O investimento foi alto e ainda vão levar vários anos para pagá-lo mas estão muito animados e é realmente empolgante ver a fazenda praticamente toda plantada e produzindo alimentos. Estão procurando alguém com formação na área de agronomia para administrar o local. Se alguém estiver interesse em aceitar esse grande desafio pode entrar em contato comigo.

 

Estou agora na casa de um guia da cidade de Mopti. Vivendo como africano. Acabei de chegar depois de mais uma daquelas viagens relatadas na semana passada. Cada uma delas é uma longa história mas essa fica para a semana que vem. Mas, provavelmente, falarei sobre a viagem de barco de 3 dias que estou prestes a embarcar. Vai ser uma daquelas!

 

Abraços e até a semana que vem.

Toumani Diabaté tocando a Kora

Tatuagem de Henna.

Meu amigo Mohamed Ali mostrando a estufa importada de Israel.

Edson Walker