Cotidiano

23.07.2007

JULHO 2007

Scliar e Temporão

Durante uma das pré-conferências de saúde, contei um relato feito por Moacyr Scliar, médico e escritor gaúcho que havia dito em sua coluna no jornal Zero Hora que havia participado, a convite da Folha de São Paulo, de um debate com o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, a quem já conhecia: um experiente (ainda que relativamente jovem) profissional de saúde pública. Formado em Medicina, com doutorado em Medicina Social, professor e pesquisador, Temporão exerceu vários cargos de chefia e foi diretor do Instituto Nacional do Câncer. Ou seja: é do ramo. Um ministro da Saúde não precisa obrigatoriamente sê-lo - José Serra, que é economista, saiu-se bem em sua gestão -, mas é claro que conhecimento e experiência prévios ajudam. E o debate demonstrou-o. Temporão respondeu com desenvoltura todas as questões, graças a um conhecimento impressionante da conjuntura sanitária.

Saúde do homem

Claro que a tônica do debate foi a questão do aborto, que vem dando manchetes; mas muitos tópicos foram abordados e, ainda que o ministro não tenha solução para todos os problemas, tem projetos para ao menos tentar equacioná-los. E em algumas áreas está inovando. Por exemplo: faz parte de sua proposta um programa de saúde do homem. O que pode até surpreender. A saúde pública sempre falou em saúde da criança, do idoso, da mulher, grupos considerados - com base nos dados estatísticos - especialmente vulneráveis. E isto escamoteou o fato de que, na verdade, sexo frágil é o masculino. Homem está mais sujeito a doenças cardiovasculares, homem morre mais por acidentes e violências. Resultado: a expectativa de vida dos homens é bem menor que a das mulheres (é por isso, entre parênteses, que eles são tão disputados nos bailes da terceira idade, nos quais mulher dançando com mulher é coisa comum). No Brasil, as mulheres podem esperar viver mais de 75 anos; a expectativa de vida dos homens não passa de 68.

Calado, morrendo

A cultura favorece esta situação. Homem não chora, é o que ouvimos desde pequenos. Homem não chora homem não se queixa, homem agüenta calado a dor e o sofrimento. E, quando não dá mais para agüentar, homem morre. Em silêncio. Em conseqüência disto, os homens consultam pouco os médicos, não fazem exames de detecção de doenças. E aí de repente descobrem que estão com a pressão lá em cima. Ou com um câncer de próstata.

Inclusão digital

O ministério quer reverter esta situação. E nisto faz muito bem. A propósito, o ministro, que é um homem bem-humorado, fez uma piadinha: disse que toque retal agora se chama inclusão digital. Pois inclusão digital é algo de que os homens necessitam, e nos dois sentidos. Precisam aprender a se integrar com o mundo, via internet, e precisam examinar a próstata, assim como precisam fazer todos os outros exames que avaliam o estado de saúde. Se Temporão conseguir reverter a mentalidade vigente, terá feito uma grande coisa pela saúde pública.

Quem compra fora?

Constantemente a gente ouve críticas à própria população do município, emanada de lideranças, principalmente ligadas a setores organizados do comércio, dando conta da evasão de divisas. Será que o povo humilde (na grande maioria dos casos) que se desloca de ambulância ou vans para Toledo, Cascavel ou Curitiba, volta com sacolas cheias de compras? Duvido. Quem compra fora é a classe média, média alta ou alta (se é que tem isso por aqui). São essas classes sociais que inclusive, formam o próprio conglomerado do comércio.

Quem compra fora? II

Pela saúde, tenho acompanhado o deslocamento de pessoas, praticamente todos os dias para Toledo e Cascavel. São usuários do sistema de saúde que carecem de tratamento de média e alta complexidade, o que praticamente não é ofertado no município de origem. Municípios maiores do que Santa Helena, dentre os quais podemos citar Marechal Rondon e Palotina, também se obrigam a transportar para outros centros, seus doentes que precisam, via SUS, tratamento de uma complexidade mais apurada. Esses usuários, é bem verdade, tomam um cafezinho, fazem um lanche e às vezes podem até aviar uma receita, quando muito, mas insinuações que vão se fartar de compras é um tremendo descalabro.

Elder Boff