Contando Histórias

15.12.2014

Entrevista com o ex-prefeito de Santa Helena Júlio Morandi, em 31 de março de 1999

No dia 31 de março de 1999, o professor João Rosa Correia e os alunos da 1ª Série C e D do Colégio Humberto Alencar Castelo Branco, entrevistaram o ex-prefeito do município de Santa Helena, Júlio Morandi.

O encontro ocorreu na ACISA – Associação Comercial Industrial de Santa Helena e teve como finalidade conhecer a trajetória histórica do primeiro prefeito santa-helenense após a redemocratização do Brasil que aconteceu em 1985.

Júlio Morandi iniciou a conversa relatando que nasceu no município de Aratiba Rio Grande do Sul, onde trabalhava como professor primário. Chegou a Santa Helena no ano de 1971. Passou a trabalhar como funcionário da Empresa de Ferragens Irmãos Mazzochin. Morandi disse ser uma pessoa religiosa e que acredita em Deus. Seguidor do catolicismo, afirma que entre 1975 a 1985 procurou contribuir com a Igreja Católica de Santa Helena ao ministrar aulas de catequese, bem como curso de noivos na sede e interior do município e foi ministro eucarístico. Comentou também que participou e auxiliou na organização de grupos de jovens.

Ele que almejava continuar os estudos. A oportunidade surgiu no ano de 1975 quando teve início o funcionamento do Colégio Estadual Humberto Alencar Castelo Branco Ensino Médio. Júlio Morandi matriculou-se, frequentou e concluiu os estudos a nível secundário, em 1977, nesta instituição. Ressaltou Morandi, que quando estudava no Castelo Branco fez parte do Grêmio Estudantil, onde foi presidente da agremiação que tem por objetivo representar os estudantes frente à escola e comunidade em geral , e que sente orgulho por ter estudado nesta escola. Acrescentou, ao dizer que tinha interesse fazer uma faculdade, porém as condições financeiras era um dos empecilhos na época. Como agravante, havia poucas universidades na região oeste do Paraná e as que tinham eram particulares.

No período em que estudou no Colégio Castelo Branco Júlio Morandi contou que conheceu a sua esposa Elizabete. Ambos estudavam na mesma sala e concluíram o Ensino Médio no mesmo ano. Os dois se enamoraram e posteriormente casaram-se. Desta união tiveram duas filhas: Fabiane e Fabíola e um filho, Fabrício. Na época da entrevista, dois cursavam ensino superior (universidade) e o terceiro frequentava escola particular.

Morandi discorreu a respeito da formação do Lago de Itaipu, fato que aconteceu em 1982. No seu entendimento, o represamento das águas do Rio Paraná gerou aos santa-helenenses muitas injustiças e incertezas. A formação do reservatório de Itaipu expulsou considerável parcela da população do município. Continuou Júlio Morandi: o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - de 1976, constatou que Santa Helena tinha uma população de aproximadamente 60 mil habitantes. No ano de 1987 eram apenas 17 mil habitantes. A decepção, o medo tomou conta dos que aqui ficaram residindo. Para reforçar ainda mais a desilusão, e o desespero dos santa-helenenses, corria boatos que a região oeste do Paraná iria sofrer fortes terremotos motivados pela formação do Lago de Itaipu e Santa Helena seria um dos municípios de maior incidência deste fenômeno. Os santa-helenenses viviam desolados, sem saber o que fazer.

Júlio Morandi também comentou sobre o desparecimento das Sete Quedas ocasionado pela formação do Lago de Itaipu. Outra perda irreparável por tratar-se de uma das maravilhas naturais do Brasil e Paraguai, na verdade, um patrimônio natural da humanidade. Ao povo de Guaíra uma fonte de renda, haja vista os milhares de turistas que visitavam anualmente aquele local. No caso de Santa Helena o impacto econômico com a formação do Lago de Itaipu foi enorme, porém a maior perda foi sem sombra de dúvidas no campo sócio/cultural, pois ocorreu uma intensa emigração de santa-helenenses. Uns deslocaram para outras regiões do Paraná, outros foram para o Mato Grosso, Rondônia, entre outros Estados e ao Paraguai, ressaltou Morandi.

Os estudantes perguntaram a Júlio Morandi o que o levou a participar da política partidária, respondeu ele que foi convencido pelos amigos e a partir desse apoio resolveu entrar na vida pública e se filiou ao PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro. Em razão disso nutriu o desejo de candidatar-se a prefeito de Santa Helena. Júlio Morandi continuou explicando aos estudantes que para entender o contexto político da época (1985) no qual se candidatou a prefeito de Santa Helena pela primeira vez é necessário compreender um pouco da história do regime militar/civil que se instalou no Brasil entre 1964/1985. Explicou Morandi que em 13 de dezembro de 1968 o governo militar decretou a Lei de Segurança Nacional que proibia eleições livres para os municípios que faziam fronteira com outras nações. Os municípios enquadrados nesta circunstância perderam o direito de escolher o prefeito por meio do voto direto e secreto. A partir de então os prefeitos passaram a ser nomeados pelo governo federal. Por isso a população santa-helenense ficou proibida por força de lei federal escolher o prefeito através do voto, haja vista que sua fronteira se limita com o Paraguai. Sendo assim, entre 1968 a 1985 a sociedade santa-helenense não pôde eleger o chefe do executivo municipal. Com o término do regime militar/civil (1985), houve a revogação da lei de segurança nacional. Isto permitiu aos munícipes de Santa Helena a ter o direito de eleger o prefeito.

Júlio Morandi concorreu ao pleito eleitoral de 1985 pelo qual se sagrou vitorioso nas urnas. Sendo vice-prefeito Luiz Henrique Klinger pelo PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro. Tornaram-se assim, as primeiras pessoas a administrar Santa Helena após o retorno da “democracia” no país. O mandato teve duração de três anos, iniciou no dia 01 de janeiro de 1986 e terminou em 31 de dezembro de 1988. Durante o período que administrou a prefeitura, disse Júlio Morandi que procurou implantar políticas públicas que atendessem de modo geral aos anseios da população de Santa Helena. A primeira providência que tomou como administrador público foi ordenar a construção do TIM – Trabalho Integrado de Menores, que depois de pronto abrigava 200 crianças. Porque desta decisão? Indagaram os alunos. Morandi explicou que o que mais lhes preocupava era a falta de um local apropriado que pudesse atender satisfatoriamente às crianças de famílias carentes do município, por isso da realização deste investimento como prioritário. Morandi diz que esta obra continua sendo a de maior relevância no campo social realizada na sua administração, por tratar-se de um espaço de atendimento daqueles que mais necessitam do poder público. Sente-se emocionado quando vai ao TIM e vê as crianças ali abrigadas recebendo atenção de professores e funcionários. Reforçou Morandi, com isso tiramos as nossas crianças da vulnerabilidade das ruas e colocamos na escola.

No ano de 1992 Júlio Morandi voltou disputar outro pleito eleitoral para prefeito de Santa Helena e novamente saiu vencedor. O segundo mandato teve início no dia primeiro de janeiro de 1993 e encerrou em 31 de dezembro de 1996, sendo vice-prefeito, Silom Schmidt. Por ter sido prefeito duas vezes e com grande apoio da população de Santa Helena resolveu candidatar a Deputado Estadual em 1998, desta vez não conseguiu se eleger.

Júlio Morandi também falou que os royalties (dinheiro) repassados pela Itaipu aos municípios que margeiam o Lago é a tentativa de reparação pela perda das terras para formação do reservatório de Itaipu. O pagamento dos royalties está assegurado na Constituição Federal Brasileira de 1988. Entretanto os prefeitos atingidos pela barragem de Itaipu tiveram que recorrer ao Poder Judiciário para que esta efetuasse os devidos pagamentos. As verbas oriundas dos royalties permitiram iniciar a reconstrução do município que havia sido prejudicado quando da formação do Lago de Itaipu.

Morandi comentou também a respeito das privatizações que estava ocorrendo no Paraná e no governo federal. Disse ele que a maior prejudicada certamente será a população, pois estão entregando para iniciativa privada as escolas e rodovias. Sobre as estradas pedagiadas, Júlio Morandi defende que deveria existir uma rodovia livre de pedágio para que a pessoa optasse em qual gostaria de viajar, pois os cidadãos tem o direito de ir e vir livremente. Complementou que a educação seja inteiramente gratuita a todos os brasileiros.  Versou ainda sobre a SANEPAR, que estava sendo vendida para iniciativa privada, com isso a sociedade paranaense corria risco de pagar um elevado preço pelo uso da água. Comentou também a respeito das bases náuticas construídas na época do governo estadual Jaime Lerner. Que o dinheiro gasto nas construções deveria ter sido investido nos setores de interesse social, uma vez que as bases náuticas não tem definida sua utilidade. Para piorar a situação, as construções estão na verdade “jogadas para as traças” - finalizou Morandi.

Ressaltamos que esta entrevista foi realizada há mais de 15 anos.

 

Júlio Morandi deixou a seguinte mensagem aos estudantes:

“Meu conselho é que vocês estudem bastante, se assim fizerem certamente irão conquistar os seus objetivos”.




João Rosa Correia