O Andarilho

06.10.2011

“BABOO!” “BABOO!” GRITAM AS CRIANçAS NAS RUAS DE BAMAKO, CAPITAL DO MALI - PARTE I

É engraçado até que a simples presença de um homem branco possa despertar ainda tanto interesse. Algumas delas, meio desconfiadas, finalmente tomam coragem e dão suas pequenas mãozinhas ao visitante. Depois, sentindo-se seguras com minha presença, dão pulos de alegria e aglomeram-se alucinadas diante da câmera. É uma festa.

 

Porém, chegar até aqui não foi uma tarefa muito confortável. “Sonef, o prazer de viajar!” era o slogan da companhia de ônibus mas poderíamos bem mudar para “Sonef, viage sem frescuras!”. Cerca de 1.600 kms separam a capital da Mauritânia com a capital do Mali. Nada de excepcional você diria aí no Brasil, mas aqui na África tudo é sempre um pouco mais difícil e burocrático. A estrada que vai até a fronteira do Mali chama-se Rodovia da Esperança mas em algumas partes é a desesperança que toma seu espírito. Segundo me dissertam na Mauritânia, ela foi construída pela empresa brasileira Mendez Jr lá pelos anos de 1975. Hoje são os chineses que tapam as crateras deixadas pelo tráfego intenso de caminhões.

 

Há inúmeros postos policiais nessa rodovia, assim como por toda Mauritânia, e em cada um deles entra um policial que vem sempre direto a você e diz: “Passaporte!”. Ele pega o documento e sai do ônibus e demora uns 10 min para anotar em algum pedaço de papel meu nome, nacionalidade número do visto, etc. O ônibus todo espera pacientemente pelas mais de dez vezes que paramos. Sinto-me desconfortável com a situação mas aparentemente ninguém parece incomodar-se afinal todo mundo na África sabe muito bem esperar.

 

Faz, é claro, muito calor e o ônibus está cheio. Gordas “mamas” sofrem ao passar pelos corredores estreitos e você fica aliviado ao vê-las sentar em outro acento que não o ao seu lado. Não iria caber de jeito nenhum já que minhas pernas não entram no espaço entre os bancos. Tem crianças também, velhos, imigrantes, pessoas vomitando e reclamando.

 

Chegamos na fronteira às 2 hrs da manhã. Saio do ônibus para reconhecer o lugar e apenas algumas tênues luzes iluminam pequenas casas e mercados. A fronteira está fechada e aproveitamos para deitar em cima de grandes tapetes para dormir um pouco. Eu tenho lá um dos melhores sonos da minha vida e acordo com os autofalantes da mesquita com a primeira reza do dia, lá pelas 5 da manhã. Enquanto esperamos a liberação da aduana tomamos um café com leite condensado e pão. Perguntam-me se estou muito cansado mas, por incrível que pareça, sinto-me tão bem com aquelas 3 horas de sono que nem parece que passaram já 24 hrs de viagem.

 

Para chegar ao outro lado da fronteira com o Mali temos que caminhar com nossas bagagens por cerca de 1 km. Noto que a paisagem mudou muito já e vê-se verde por todos os lados. O estado do novo ônibus não me anima muito. Tudo sempre pode piorar, não é mesmo? Depois de alguns quilômetros ele quebra e aguardamos o conserto sob um sol implacável de 2hr da tarde. Na África não tem como um motorista ser apenas um motorista. Se ele não for também um bom mecânico, o ônibus corre o risco de não chegar ao destino.

 

Depois de várias outras paradas e tentativas de conserto, chegamos a uma pequena vila. Nuvens negras brotavam do chão e uma grande tempestade formava-se rapidamente. Enquanto isso, o sol se punha no outro lado e a luz tornou-se clara e suave, uma das melhores que já vi na vida. Aproveitei para tirar fotos das pessoas do lugar que mostraram-se muito gentis e alegres com minha presença.

 

Depois do mais novo conserto, conseguimos andar mais alguns quilômetros e quebramos novamente no meio de uma vila imersa na escuridão. Essa parecia ser a última vez. Não havia mais condições de continuar com aquela lata velha e uma nova foi chamada para nos buscar e terminar a viagem que durou aproximadamente 40 hrs. Chegamos finalmente na rodoviária de Bamako às 3 da manhã. Não havia como tentar achar um hotel a essas horas e resolvi deitar-me em uma das salas junto com alguns dos outros passageiros. Sentia-me tonto de tanto sono e cansaço mas finalmente havia terminado.

 

Estou gostando muito do Mali e acredito que vocês terão nas semanas seguintes histórias impressionantes da sua cultura e paisagem. Tenho que ficar aqui na capital por ainda alguns dias para receber o meu mais novo visto para continuar a viagem daqui há 3 semanas pelo país vizinho Niger. Já foram tantos vistos que tive que fazer um passaporte novo aqui na embaixada brasileira. O atendimento e a eficiência deles tem impressionado os europeus que encontrei no albergue. Levou apenas 1 dia para ele ficar pronto. Os franceses esperam pelo menos 1 mês.

 

Abraços e até a semana que vem.

Menina em vila perto da fronteira com a Mauritânia.

Homens trabalhando com tecido.

Consertando barcos na beira do rio Niger que passa por Bamako.

Edson Walker